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domingo, 7 de maio de 2023

Clube das Mulheres Escritoras

Olá, olá!!

Quebro este(s) longo(s) silêncio(s) - nos últimos meses, ausentei-me mesmo de todas as redes, regressei agora apenas ao instagram - para poder falar-vos de uma iniciativa à qual me associo com muita honra.  



Somos mulheres, somos escritoras, estamos vivas, estamos ativas. Somos diferentes, estamos em momentos distintos das nossas vidas e carreiras. Temos idades e origens variáveis, a nossa escrita difere.  Nem todas somos igualmente conhecidas, nem todas usufruímos de igual sucesso. Mas todas vimos os nossos livros (um, dois, mais) publicados por editoras tradicionais. E estamos juntas neste caminho, muitas vezes difícil, desconcertante, desencorajante, e muitas vezes um prazer. 

A primeira newsletter - a única de Maio, mas a partir de Junho serão duas por mês - já saiu. E começa:

"Neste espaço virtual, que vos chegará na forma de duas newsletters mensais, algo diferentes uma da outra, pretendemos celebrar a enorme diversidade e riqueza que existe na literatura portuguesa escrita por mulheres, para muitos desconhecida."

Espreitem o resto AQUI , que vale bem a pena.

Quanto a mim, talvez esteja de regresso. Prometo tentar. Não prometo conseguir. 



terça-feira, 27 de julho de 2021

Largar o stress

 Começo hoje as férias, finalmente.

Ontem, depois de ter terminado o que era preciso fazer, almocei e deitei-me um pouco no sofá. Tinha intenção de relaxar com uma das séries da Netflix que tenho em atraso, talvez The Queen's Gambit. E vi? Nah! Dormi toda a tarde. Depois deitei-me cedo, achando que, porque dormira horas seguidas, profundamente, leria pela noite fora. Nope. Num instante apaguei e dormi toda a noite como uma pedra.

Este foi um ano difícil, em parte devido à pandemia. Tudo o que seria complicado, tornou-se mais pesado, instável, exigente.

A nível profissinal, muito stress. O ensino à distância, para mim, professora, para os meus filhos universitários, foi uma dor de cabeça: muitíssimo trabalhoso, até para mim que trabalho sempre muito e não me acanho demasiado com os teclados, e até certo ponto frustrante, ainda que não me queixe das aulas em si: os miúdos não estiveram mal. Tudo mais é que foi a loucura.

A nível pessoal, tive de habituar-me a ter um dos filhos fora do ninho, a estudar noutro lado, o que foi menos duro do que julgava. Mudei de hábitos, deixei de escrever e trabalhar no café, o que, acreditem, foi uma grande mudança. Tenho escrito pouco, também, o que não ajuda, e nem sempre conigo ler como gostaria, por falta de tempo ou vontade. Não é bom. Pela positiva, fiz muitos planos: candidatei-me a doutoramento (e fui aceite). É uma coisa boas, mas que também trouxeram a sua dose de stress: valerá a pena matricular-me? Terei horário para isso, com pelo menos 7 turmas? Serei capaz de terminar desta vez? E, quando me fazia à ideia de que sim, tudo iria bem, uma frustração grande, porque é possível que o doutoramento tenha de ser novamente adiado, por questões de incompatibilidade de horário.

Também está previsto e novo livro lá para setembro ou outubro, e, mais uma vez, bom e enervante: sairá mesmo? Correrá bem desta vez? É um livro diferente... como o receberão os leitores? E a família?

A terminar, uma mudança importante, excelente e assustadora: era QZP há 20 anos e efetivei na escola onde estudei, portanto sairei do agrupamento onde tenho lecionado nos últimos 12 ou mais anos, para me acostumar a outro.

Outras coisas sucederam, boas e más: no conjunto, foi muito. Desconfio que o meu corpo esteve a largar o stress.. pelo menos, a parte dele que se relaciona com a escola. Estava exausta e não sabia. Ainda estou, acho.

Parece haver uma luz ao fundo do túnel para o doutoramento. Talvez o livro saia mesmo e talvez os leitores gostem dele. E pergunto-me se, neste Verão, serei por fim capaz de escrever. Preciso tanto!

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2021

Canção de dentro



Trago o cansaço no bolso, 

à cintura o tempo que passa

debaixo do pé uma ideia

que me levanta e carrega

e um peso num joelho

que me deixa presa ao chão

mais que tudo, é por dentro

nas covas do coração

que tenho coisas imensas

rios que trovejam e minas

de ouro umas, outras carvão

é por dentro que me passa

a vida por trás dos olhos

preenche a cabeça inteira

da massa leveda dos sonhos

mais que tudo é por dentro

nas curvas do coração

que tenho coisas tremendas

tenho um medo que não cessa

tenho dele esta canção

tenho deuses e monstrengos

e uma ponte para amanhã

uma nave de futuro 

que já partiu, temporã


é por dentro que me passa

a vida por trás dos olhos

preenche os meus dias todos

da massa escura dos sonhos


Lucian Freud, Lying by the Rags, 1990



quarta-feira, 3 de fevereiro de 2021

Ler para escrever. Ler também para outras coisas - muitas, todas.


Depois de anos na escrita, ainda não sei quando é que se passa de "pessoa que escreve umas coisas" a escritor. Quando é que se atravessa essa linha: quando se completa um original? Quando uma editora aposta no original? Quando surge a primeira opinião sobre um trabalho publicado? Quando se ganha um conjunto de leitores? Quando o nome é reconhecido? E se não publica durante algum tempo, um escritor deixa de o ser? E quando não publica mais nada? 

Fiz essa pergunta numa story do instagram. Este foi o resultado (sim eu sei, ainda não tenho 3 milhões de seguidores, eh!). Não houve, claro, grande consenso. Eu também não sei responder a nada disto. Talvez não seja mesmo possível encontrar uma resposta consensual... e creio que não importa, de qualquer forma. Cada um com o seu ponto de vista, não é verdade? Para um escritor, o que importa é ser lido.

E, antes disso, o que importa é LER. LER, LER, LER. 

Sou leitora desde que me lembro de saber juntar palavras. Não, desde antes disso, com imagens, com as histórias que me liam, com as que de certeza inventava. Há momentos de menos inspiração, momentos em que mal leio e muitos momentos em que não sou capaz de escrever. Mas uma coisa não existe sem a outra - ser escritor sem ser leitor? Não compreendo. Já ouvi por aí afirmações de escritores (não vou questionar se o são ou não, ainda agora concluí que não sei definir o que isso seja) ou aspirantes a escritores que "nunca leram um livro" ou "leem pouco". Como? Como?? Ser um bom leitor está na base de ser um bom escritor. Isso não significa obrigatoriamente ler apenas bons livros. É preciso ler bons livros, claro. Mas ler livros excelentes, bons, medíocres e maus ensina-nos muito sobre como se escreve. Mostra-nos o caminho que queremos seguir e quem somos enquanto escritores. Define uma base essencial de referências, de estruturas, de tópicos fundamentais que fazem a literatura. Salvam-nos de armadilhas e clichés, se estivermos atentos, ou permitem-nos usá-los "tongue in cheek". Não temos de escrever como os autores que mais admiramos (é evidente), mas eles estruturam o nosso modo de olhar para a literatura - para a escrita. 

E que mais nos oferece a leitura, enquanto escritores, mas também enquanto leitores? Como seres humanos? Muito. Oferece-nos mundo, interior e exterior. Ler aprofunda a inteligência, a criatividade, melhora a concentração, o humor. Dá-nos paisagens novas, quantas delas imaginárias, e dá-nos gente, mesmo quando o tempo, o espaço e a gente nos falha. Ajuda-nos a compreender modos diferentes de estar, de pensar, de querer: faz-nos seres humanos melhores, mais empáticos. Abre a porta a um melhor entendimento de nós mesmos. Alarga o vocabulário e a elasticidade da estrutura frásica, e com isso melhora a capacidade de descodificar qualquer tipo de mensagem, direta ou subentendida, e de comunicar, de forma direta ou entrelinhas. Saber ler evita muitos enganos, permite-nos fazer escolhas em consciência, sem sermos enganados por discursos fáceis e teorias atraentes.

E faz companhia. Consola. Distrai. Ensina. Exige. Oferece. Precisamos de tudo isto, neste momento. Sempre.

Por tudo isso, é importante incentivar a leitura nos jovens, apesar da resistência, e ajudá-los a encontrar a "sua" leitura (porque sim, acredito que todos gostamos de ler, se encontrarmos o livro certo, no momento certo), e alimentá-la sempre, mesmo que pareça ter pouca fome. E por isso é que o livro é bem essencial. É necessário que o amor da leitura nasça de bons livros? Não. É necessário que nasça. O resto é um caminho.


Nota: estou a ler Fahrenheigt 451, um pouco assustada com o seu caminho de estupidificação geral (ser ignorante é ser feliz?), que conduz à eliminação e diabolização do livro. Tantas semelhanças! Parece-me que estamos nessa senda. Será irremediável?

Imagens: Norman Rockwell

terça-feira, 15 de dezembro de 2020

A escritora diz que não tem tempo

Não sei se isto acontece a toda a gente, mas é sempre quando não posso - por excesso de trabalho, em geral, com os consequentes cansaço e falta de tempo - que me vejo mais produtiva . 


Ah, se eu pudesse, se tivesse tempo, se não estivesse cansada, etc, etc, as coisas que eu reveria, as que escreveria! É o que digo a mim mesma numa perfeita simulação de desalento. Ocorrem-me linhas desgarradas para poemas que nunca chegarão a ser anotadas (e ainda bem, a última de que me lembrei tinha a palavra da moda começada por p, acabada em a e com ut no meio), e muito menos terminados os poemas. Fico cheia de energia para revisões de dois ou três originais ao mesmo tempo, velhinhos e cheios de pó digital. Chego a lembrar-me que bom, bom, era traduzi-los, porque por cá é pouco provavel que venham a ser publicados. 

Tenho até o ensejo, nos últimos tempos incumprido, de começar um livro novo. Se me surgem ideias para esse livro, pelo meio de textos para corrigir em Inglês e de speakings para ver na classroom? Pois, na verdade, verdadinha, não. Umas sombras delas, peixes a deslizar pelas mãos, uma personagem aqui, uma situação ali, e muita, muita vontade de ver se alguma coisa pega. 

E depois, quando finalmente tenho algum tempo? Eh. Faço outras coisas, como ver filmes que não interessam a ninguém, ler livros, uns melhores, outros piores, fazer de conta que tenho leitores no blogue e escrever aqui. De vez em quando, até faço bolos. 

E escrita, que é boa? Bom... tenho revisto um certo texto dividido em três, na vaga expectativa (medrosa, confesso) de que seja desta que chega aos leitores, mas anda mais devagar do que o habitual. O tempo é de facto escasso, mas, quando há, a concentração difícil e, sem um prazo que me ponha na linha, vou andando um ou dois parágrafos de cada vez. 

domingo, 13 de dezembro de 2020

Limões na Madrugada, a primeira página: vejam como a escritora se vai habituando ao vídeo!

Isto de ir fazendo videos (a maioria falhados e apagados) tem uma coisa boa, uma pessoa habitua-se a ignorar os detalhes, uma ruga, um papinho, uma hesitação na fala ou leitura e a avançar com a cara e a coragem. E habituamo-nos a pensar "Quantos vão vê-lo, de qualquer modo?", sem nos preocuparmos realmente com a resposta.

Vós, meus queridos que vão seguindo o monster, espero que ignorem essas falhinhas, se sintam mais próximas do monstro que há em mim e, se ainda não leram, um nadinha mais curiosos com os livros! 




segunda-feira, 7 de dezembro de 2020

AS RENAS TÊM FRIO - onde a escritora se atreve a ler a história que escreveu para os filhos

Quando os meus filhos eram pequenos, costumava escrever-lhes histórias, sobretudo no Natal. Esta é uma delas, aqui está, para que os graúdos a partilhem com os miúdos, se gostarem dela.


Inês Soares (www.instagram.com/an.other.ines)



terça-feira, 1 de dezembro de 2020

A escritora vem a jogo: três anos de ausência

 Hoje é a escritora que vem a jogo, com (pelo menos) três anos de siêncio a compensar.

O meu último livro a chegar aos leitores, Limões na Madrugada, foi publicado Pela Cultura Editora há três anos, mais ou menos por esta altura. Foi um livro de escrita rápida para os meus padrões, acostumada que estou a pesquisas densas e histórias longas. Tem sido assim com todos os livros, menos este último publicado, porque todos até aí tinham um contexto histórico a pedir dias de intensas leituras e muitas verificações de factos e detalhes, ou de fantasia, a exigir construção de mundos coerentes e personagens vivas, ou não têm interesse nenhum. Descobri que a escrita de uns e outros é, afinal, muito parecida, mas isso é coisa para outro dia. 

Três anos é muito tempo para andar escondida. Nesse período de tempo, vi terminar o contrato de dois livros publicados em formatos diferentes, e que são agora meus outra vez: o Alma Rebelde, que necessita de uma séria edição e revisão minha, e o A Chama ao Vento, que nunca esteve em papel e, pelos vistos, dificilmente virá a estar - mas a esperança é a última a morrer, claro! Também atravessei fases diferentes, a de ansiar pela publicação de um novo livro, a de tentar a do Chama, a de desacreditar da escrita e outras coisas, sobretudo no último ano, e a de me aperceber que não sei desistir. A de bater com o pé a mim mesma (e não só) e levar tudo à minha frente. E a de recomeçar. 

Pelo meio disto, a pandemia e um confinamento, que me daria, idealmente, mais tempo para a escrita. Uma ilusão. Nunca trabalhei tanto no que me põe o pão  na mesa - sou professora. 

Então... e em três anos não escrevi nada? Claro que sim. Terminei um livro, cuja execução me levou anos e anos de batalha e incerteza e que, a ser publicado, me trará ao mesmo tempo prazer e terror, por se passar numa terra da qual não me lembro, mas que muita gente recorda ainda, num período em que eu ainda não existia - ou era criança pequena - mas de que outros, muito próximos, decerto se recordarão. Meias palavras? Para bom entendedor chegarão (na imagem, a welwischia mirabilis, planta anciã do deserto do Namibe). Terá o tom certo, este livro? Os lugares estarão bem retratados? Os acontecimentos? O sentimento? Que sei eu? Ah, que presunção a minha, e ao mesmo tempo que ternura coloquei nesta história! Não tem ainda nome definitivo, mas quando tiver (e eu puder) falarei mais sobre ele. 

Também tenho procurado o consolo da eterna revisão de um dos meus livros de fantasia, A Grande Mão. Tem mais de 10 anos, talvez quase 15, este livro... E quantas vezes falei já dele? Quantas o revi, acrescentei, cortei, matei "darlings", fiz nascer outros?  Quantas vezes encontrei consolo nele, quando me vi sem caminho, sem me importar se era maravilhoso, bom, mau, medíocre. Assim é o que mais amamos. Cresceu tanto, que está agora dividido em três partes: revi a primeira, a que chamei "A Companhia do Corvo", revejo agora a segunda, "Passo Solto", com tremendo gozo, hei-de chegar à terceira, "Morte no Lin", e depois se verá o que lhe sucede. Muito gostaria de o ver chegar às mãos de quem gosta do género, embora também me assuste vê-lo encerrado numa versão final, todas as revisões terminadas, as personagens e lugares e acontecimentos na sua derradeira versão. Tão bom, tão terrível!

Que enorme texto escrevi! E, no entanto, muito mais curto do que os 3 anos que, apressadamente, nele reflito. Tanto para dizer, e nada ao mesmo tempo, porque estive longe de mim, e agora regressei.

Uma nota: nestes anos, li histórias das quais vale a pena falar, portanto a próxima a jogar será a leitora. Prometo!

sábado, 22 de julho de 2017

Aventurar-me - os desafios

De vez em quando sou acometida de uma certa inquietude, e de vez em quando sou forçada a ela.

A minha vida tem um lado familiar muito estável e um lado profissional que, a espaços mais ou menos regulares, ameaça revolução. Sou professora há mais de 20 anos, quase 22, mas não pertenço ao Quadro de um escola: sou Quadro de Zona, o que sognifica que, a cada concurso, sou colocada perante a eventualidade de mudar de escola, sem o desejar. Claro que, com todos estes anos de profissão, estou já bem colocada para fazer as minhas escolhas, mas entre a probabilidade e a certeza vai uma distância que é monstruosa, para quem espera.  Tenho sonhos esquisitos na véspera da "rande revelação", bate-me o coração que é um disparate enquanto consulto a lista maldita, dividida entre a esperança de continuar na minha querida escola e o medo da interferância de algum espírito maligno  ter forçado toda a gente que está à minha frente a fazer as mesmas escolhas do que eu, e me ter atirado para alguma escola que não escolhi, mas já estou acostumada a isto e aprendi, há muitos anos, a não me afligir por antecipação.

Há, porém, outros desafios, que estão relacionados com a minha segunda ocupação, a escrita - não posso chamar-lhe profissão, quando não vivo nem viverei dela - que é muitas vezes a primeira no coração, perdoem-me todos os alunos de quem gosto tanto. É uma missão pejada de dificuldades e impedimentos, que são causados muitas vezes pelo meu ganha-pão, de dúvidas terríveis quanto à pertinência do que faço, de cansaços e desapontamentos, quando se constata que o nosso trabalho teve uma recepção boa, mas limitada (e sim, estou a falar deste último, de que eu e os leitores parecem gostar, mas teve muito pouca saída), mas é, ao mesmo tempo, uma compulsão, que se alimenta de si própria e das pequenas recempensas, de uma opinião agradável ou de um pequeno reconhecimento. 

Esta ocupação coloca desafios sérios e muito estimulantes à minha personalidade um tanto instrospectiva e às minhas naturais inseguranças: é preciso, de quando em quando, sair da minha casca para comunicar com os leitores, que, decidi, não hão-de adivinhar a minha timidez. É um exercício cansativo, que me surpreende sempre com uma certa vontade de fugir a meio da coisa. Depois passa e reconheço, no fim, o bem que me faz. É preciso atirar-me de cabeça, ocasionalmente, a tipologias de texto que nunca antes contemplara redigir, como o conto ou, recentemente, a crónica,  nada fácil para quem é escritora de romance, de dissertação, de artigo científico (embora há muito que não o faça, com grande pena minha) e do ocasional poema desafinado. Mas faz-me bem. Faz-me bem. 

E depois, há aquele empurrão que vem precisamente quando nos sentimos estagnados.  Afigura-se uma mudança no horizonte, que é também uma permanência: como mudar de casa, para acompanhar a família. Veremos o que muda, o que se mantém, para além da gente maravilhosa. Vamos ver também se posso acompanhá-la com uma pequena variação noutros aspectos, mas disso vos darei testemunho em breve. Para já, talvez esta seja a mudança de que necessito num momento de particular indecisão quanto à escrita... Vamos ver se este empurrão me põe por fim na trilha certa!

quinta-feira, 6 de julho de 2017

O prazer de escrever por escrever


Tenho umas quantas razões para não estar em idílio perfeito com a escrita. Corrigo: com a publicação. É preciso distinguir uma coisa da outra com muita clareza: a escrita não me entristece, é uma catarse, um prazer, uma necessidade, a publicação é sempre uma incógnita, porque depende de muitos factores, da minha vontade, das decisões da editora, do mercado, das vendas, etc, etc, e traz-me tantos prazeres como dissabores. 

Os últimos livros que escrevi e publiquei, sobretudo O Ano da Dançarina, foram trabalhosos do primeiro ao último dia, um labor intenso de pesquisa, escrita, conjugação entre facto e ficção, edição, revisão, correção... Neste momento, tendo em conta os resultados mais recentes (os números, não as opiniões, que parece que não batem certo, opiniões excelentes e números que... enfim), tenho mais perguntas do que respostas. Estou consciente de que esta honestidade pode não me favorecer, mas há momentos em que é, ao menos, libertadora. Não vou fingir uma indiferença que não tenho nem entendo, porque, como tenho dito muitas vezes, quem escreve pode fazê-lo só para si, mas quem publica não. Quem publica, quer ser lido (muito lido, muito, muito lido) e ter quem goste e, porque não, quem deteste o seu trabalho. Logo, tanto as opiniões como o número de leitores que adquirem e/ou leem o livro importa. Representam o sucesso do romance e do autor e muitas vezes o seu futuro. 

Dito isto, o romance que estou a escrever neste momento sabe-me ao paraíso. Há muitas razões:

Primeira, não requer nenhuma pesquisa. Os meus livros publicados são todos de época, históricos, se quiserem. Sou exigente comigo própria na conjugação da História com a história, para que tudo seja fluido e nada chatinho, para que nunca seja uma lição, mas ainda assim se descubra a época, para que o retrato seja fiel, cheio de detalhes engraçados, sem ser doutrinário, e isso dá uma trabalheira inimaginável. Muito mais difícil, acreditem, do que espetar com os factos nas páginas, em parágrafos e parágrafos que parecem tirados ds compêndios de História, o que é uma tentação a que nuca cedo. Este romance, porém, não é de época e, se preciso que um ou outro facto bata certo com o que digo, é coisa mínima, mais do lugar do que do tempo. Coisa fácil, portanto, facílima. e de grande liberdade. Tanta, tanta, que até sou capaz de escrever a qualquer hora do dia, eu que há anos só sou capaz de fazê-lo de manhã, com a cabeça fresca! 

Segunda, porque escrevo o que me apetece. Tenho uma ideia geral do que será esta história, de quem são as personagens e o que fizeram ou farão, mas ela flui como bem quer, sem uma linha cronológica, sem nenhuma obrigação. Não tenho um esquema ou plano - ao contrário do anterior, que exigiu uma tabela detalhada - o que quer dizer que a qualquer momento posso ser surpreendida por qualquer das personagens. Talvez a coisa terrível tenha sido feita, não pela personagem a quem agora a atribuo, mas por outra. Talvez a minha protagonista fique em Portugal, talvez não. Sei lá. Nem tenho ainda um fim definido, nem estou certa do que sucederá no próximo capítulo. Nem sei se a terminarei, mas uma coisa sei: será curto, menos de 200 páginas. Se calhar. menos de 150. Nisso, estou determinada. 

Terceira, porque não faço ideia do que lhe farei quando... se o terminar, porque não sinto essa obrigação. Não sei se tentarei a minha actual editora, que me tem como escritora de históricos, se o colocarei num envelope para um prémio qualquer (pelo desafio, que me importa, sei bem como é isto dos prémios), se o deixarei bem quietinho no seu ficheiro, bem escondidinho, se o imprimirei apenas para os amigos, que ão uns queridos e querem sempre ler o que vou fazendo. As dúvidas costumam ser: será que a editora o quer? Será que, se não  quiser, encontrarei outra interessada? Desta vez, pouco me importa. Uma parte da indiferença poderá advir de um certo desapontamento, mas a maior parte de ser um livro diferente dos anteriores e não ter expectativas para ele, por não ser provável à partida, que a editora o queira. Deva ficar com pena? Pois. Sei lá.  Entretanto, dei-lhe o título provisório (ou não) de Limões na Madrugada, por causa de um poema que escrevi há tempos e está por aqui no blogue, poema medíocre mas que deixou semente.  

São motivos mais do que suficientes para que escrever este romance, seja um prazer, no sentido em que a liberdade absoluta é um prazer. 

sábado, 1 de julho de 2017

Florença - ainda o caderninho

Deixei passar demasiado tempo entre textos, e os dias em Florença começam a aglutinar-se numa impressão geral e em recordações globais, em que já se me torna difícil distinguir o que fiz em cada dia. A agravar a questão, há o caderno abandonado. Estou nos últimos registos: deixei de fazê-los a meio do terceiro dia, o "dia dos museus".

Em breve, terei de assumir uma aproximação diferente: em vez de continuar dia a dia, ou em parcelas de dias, para não estender o texto, vou destacar momento, lugares... em quantas publicações irá resultar, não sei. Pode ser uma apenas, podem ser muitas. 

Por ora, há caderno. Avancemos.

Pitti

O Palazzo Pitti, do lado de lá da Ponte Vecchia, é um monstro. Um largo enorme, em declive, e o palácio em cima, por trás dele os jardins. Compramos bilhetes, passamos pela segurança, entramos. Subimos vários lances de escadas e ocorre-me que, outrora, homens e mulheres deviam ter coxas de pedra. Por fim começamos a visita e o Pedro depressa se irrita, porque, onde esperava ver quartos, salas, a cozinha, os banhos, e descobrir como viviam os Médici, vemos afinal retratos e mais retratos antigos de figuras relevantes, em salas lindas de tectos pintados, paredes forradas e cortinados pesados e veludo. Há corredores cheios de caras novas e velhas, quase todas feias, uma ou outra mais composta. Descubro uma mulher lindíssima, um homem bonito da cada d'Este, outro feíssimo, um Médici. Reconheço alguns nomes, muitos não, mas sempre gostei de retratos e esta transformação em museu de figuras e expressões em nada me incomoda.  Depois, por fim, meia dúzia de salas opulentas onde terão habitado os donos do palácio, passando pela do trono e terminando nos aposentos da rainha. Temos de espreitá-los, porque um cordão impede a entrada. Proliferam veludos e brocados, dourado e cristal, brilho e excesso. O palácio testemunha o poder e riqueza dos Médici e não seixa dúvidas sobre quem eram, a par da Igreja, tão predominante, os donos desta cidade maravilhosa.  
Imagino homens e mulheres percorrendo estas salas, sentados nas banquetas, sussurrando conspirações, e ocorre-me, a despropósito, o imenso trabalho de acender (e substituir) todas as velas nos lustres e castiçais de complexo desenho e o perigo de incêndio que tudo aquilo terá constituído. Passamos pela Sala Branca, decerto uma sala de baile, mas não temos acesso à prometida exposição de trajes (que não encontramos e concluímos estar fechada). O Pedro está tão aborrecido com o Palazzo, e eu tão cansada, que depressa concordamos que não vale a pena pagar o bilhete para visitar os jardins. Deambulamos pelo "outro lado" de Florença, de mapa na mão, à procura de mais qualquer coisa para ver. O tempo que paramos para beber alguma coisa numa esplanada mal chega para que as pernas me deixem de tremer de cansaço, mas continuamos sob o sol escandante e acabamos por atravessar a ponte para o "nosso lado" pela ponte Americo Vespucci. Cada um de nós vai um pouco insatisfeito, por razões diferentes. Eu, porque gostei de Pizzi, mas não do que veio depois, não quero andar por toda a parte até que a exaustão me impeça gozar a cidade. Talvez seja má turista, mas quero parar mais vezes, parar mais tempo, não sinto necessidade de procurar cada quadradinho laranja no mapa, para ver se é monumento. O Pedro pela razão oposta: detestou Pizzi e não encontrou mais nada aberto, mais nada para visitar daquele lado da cidade. Temo que isto se torne complicado para mim. Outra vez.


Música no Palazzo

Reconcilio-me com esta viagem logo depois de um duche e algum descanso, quando paramos num cantinho bonito, para vinho branco, queijo e prosciutto, e ali ficamos algum tempo. Isto sim! Tentamos depois encontrar um restaurante que me encantara na véspera, mas às tantas já não sabemos onde estamos e acabamos, meio irritados, por comer onde calha. A minha pasta é quase igual à que comi, mas bastante picante. Tenho tanta sede que o vinho não me satisfaz, nada me sabe ao que devia e o mundo só se endireita quando, depois do jantar, bebo finalmente uma garrafa inteira de água.

Estamos muito perto do meu querido Palazzo Vecchio e, ao caminharmos nessa direção, apercebemo-nos da música. Há música em muitas ruas desta cidade, músicos que tocam violino, violão, viola, outras coisas nos passeios e praças. Ontem, duas jovens de longos vestidos tocavam violino numa praceta, mas isto é diferente: há um concerto em frente ao Palazzo, coisa de orquestra inteira (pequena, claro), com muita gente de pé a assistir. Ficamos também a ver o que é. O entusiasmo estoira na assistência quando, terminada a peça que tocavam à nossa chegada, o maestro explica, em italiano e depois inglês, que vão tocar... Star Wars! E tocam, e é maravilhoso!  Troco um olhar de prazer e um sorriso com uma desconhecida, que nem sei se é turista ou habitante local, e penso em como a música pode ser unificadora. Gostava de ser capaz de reter este prazer e toma-me a ideia, despropositada no momento, de que a música é como a poesia, um êxtase momentâneo, que depressa esmorece, mas que permanecem ambas, uma na partitura, outra na página, para que o gozo possa repetir-se, sempre diferente. Todos reconhecem o tema do filme, transformado numa peça belíssima pela composição de John Meyer e pela orquestra e, no fim, o aplauso é estrondoso. A praça quase encheu. Hesitamos em ficar ou ir e eu, com voltade de ficar, atiro "E se a seguir tocassem James Bond?." Estou a brincar, claro. Cada 007 tem o seu tema, porque haviam de ir buscá-los? Quais? O maestro agradece e declara que, dentro do tema "música para cinema", se seguirão três temas de... James Bond! Depois de Bond, tocam O Bom, O Mau e O Vilão e nós ficamos, até se esgotarem todos os temas que a orquestra trazia planeada e o maestro, espantado com o entusiasmo do público, improvisar com a orquesta: tocam uma marcha americana antiga, que faz lembrar vagamento o hino. Só depois disso saímos dali.

Vou cansadíssima, mas com o peito cheio. É isto, afinal, que me dá gosto.


       

segunda-feira, 26 de junho de 2017

fast burners ou long runners?

Todos nós, leitores, temos uma noção mais ou menos clara de que há livros de consumo rápido, de fácil digestão e olvidáveis, outros que ficam connosco muito tempo e outros ainda que, com a sua capacidade de permanecer e representar, pertencem ao espólio literário de um país - ou da humanidade. Que se tornam clássicos. 

Não vou fazer juízos de valor, nem tentar estabelecer aqui os padrões de uma coisa e de outra. Sendo os clássicos uma categoria aparte, porque são-no independentemente do agrado ou desagrado com que possam ser lidos, a verdade é que um livro pode ser olvidável para um leitor e memorável para outro. Nada disso é relevante para mim, que leio com gosto quase tudo o que me vem parar às mãos, até rótulos de champô, se se der a necessidade.  

Esta publicação é sobre uma outra ideia que me deixou a magicar. 

Há pouco tempo, fui colocada perante um conceito que não me tinha ocorrido, e que está menos relacionado com a nossa posição enquanto leitores, do que com a forma como um livro vai penetrando e encontrando o seu lugar junto do público. Como vende, portanto. Um autor que muito admiro, a propósito de mais uma edição do seu livro, comentou que não esperava o impacto imediato desse livro: esperava que tivesse melhor desempenho ao longo do tempo, do que de início, ou seja, que fosse um long runner. Não sei se usou esta expressão, mas é a que me ocorre quando penso nisso. 

É muito interessante, e pôs-me a pensar sobre os livros em geral. Ocorreram-me outras expressões. Há livros que são fast runners. Tomam a dianteira de repente e vendem muito num instante, uma, duas, muitas edições. Alguns destes gastam-se depressa, independentemente da qualidade. Não são maratonistas. No caso deste autor, felizmente, o livro tem-se mostrado ao mesmo tempo as duas coisas: ao fim de imenso tempo, continua a vender bem, num mercado bastante miserável como é o nosso. 

Há outros, porém, que nem uma coisa, nem outra. São fast burners, ardem um pouco, mas a chama apaga-se depressa, sem ter causado grande impacto. É o que sucede, creio, à maior parte dos livros que vão sendo publicados por cá, a não ser que recebam o oxigénio de um prémio, da exposição pública de quem o escreveu (de preferência anterior à publicação) ou de uma ligação ao pequeno e fechado universo literário nacional, ou de algum outro acontecimento extraordinário. Ou da sorte, claro. Não questiono a qualidade, que devia ser essencial para o sucesso de um livro (nem sempre é, infelizmente), apenas o facto de por vezes isso não ser suficiente. Os livros traduzidos parecem chegar de fora com duas botijas de oxigénio: a primeira, o já terem habitualmente algum reconhecimento antes de cá chegarem; a segunda, a confiança e curiosidade dos leitores portugueses - maior com o que vem de fora do que com o que se faz cá dentro. 

Não me importa agora o que, para além da qualidade ou falta dela, faz com que um livro seja um corredor rápido, outro um corredor de fundo e um outro mal ter pernas para andar. Achei piada à ideia, mais ainda aos nomes "em estrangeiro" que me ocorreram. Que me perdoe quem achar tudo isto um disparate.  Há dias assim. 




quarta-feira, 14 de junho de 2017

Dias de Florença - caderno abandonado

Conhecer Florença era um dos meus sonhos e, por saber que teria dias de muita caminhada e poucos tempos mortos, segui sem computador, mas com um caderno  na bolsa e a determinação de, sempre que me sentasse para um café ou uma cerveja, assentar alguma coisa do que visse, sentisse e pensasse, assim ao jeito de caderno do viajante. Escolhi um fininho de capa bonita e até lhe dei o nome pretencioso de "caderno florentino". Neste tipo de passeio, em que em poucos (pouquíssimos) dias se aglomeram muitos lugares, se vê muitas coisa e muita do mesmo tipo ou épica, tudo acaba por tornar-se difuso e, no fim, já me pergunto por onde é que andei em que dia, e onde é que eu vi aquela estátua fantástica do rapto das sabinas?

O caderno era para esse registo e para satisfazer a escritora - e porque é que, depois de três livros publicados, continuo a hesitar perante a palavra? - a quem a ideia de cinco dias sem escrever absolutamente nada, se calhar nem o meu nome, dava a impressão de uma longa travessia do deserto.  Levei um caderno a fazer de odre de água.  

Descobri depressa que seria mais difícil do que calculara, não porque me faltasse a vontade de escrever, mas porque, sendo dois na viagem, impunha-se conversar nas pausas entre caminhadas, sobre o visto e feito, o "a ver" e "a fazer" em seguida, em vez de me embrenhar nas palavras e deixar o parceiro apenas com a companhia dos seus pensamentos. Acrescentou-se o facto de parar menos do que necessitaria para fazer bons apontamentos (ou desejaria, para um passeio a meu gosto) e de andar muito e ver muitas coisas entre descansos. 

Quando aos dois "mas..." se juntou o cansaço, potenciado pelo calor, o caderno ficou abandonado no saco. Ou seja, tenho anotações da primeira tarde e dos dois primeiros dias - embora cada vez menos frequentes - e nadinha do terceiro dia e última manhã, o que significa que não tenho detalhes dos lugares por onde andei nessa altura, menos ainda do que os lugares me suscitaram. Uma ideia ou outra talvez regresse, coada pelo tempo e algum descanso, se não me der a preguiça ou não for atropelada pela vontade de escrever outras coisas ou pelo trabalho. Entretanto, vou ler o que está feito e, disso, ver o pouco que valerá a pena refazer para o meu monster.

Nota inicial: Florença é uma obra de arte antiga.  



segunda-feira, 15 de maio de 2017

A maioria dos livros...

... vive menos tempo do que leva a nascer.
Depois da sua morte, alguns têm ocasionais rasgos de Fênix, renascendo com mais ou menos fulgor para fenecer novamente, mas a maioria permanece como costumam ficar os mortos: morto.
Um ou outro, mais raros, fazem-se (quase) perenes.

sexta-feira, 12 de maio de 2017

Coisitas de escritor

E o que quer um escritor que publica? Quer pouco, mas muito.

Condições para escrever.
Seja estabilidade ou tumulto, silêncio ou ruído, viajar ou estar quieto, conforto ou tortura. Acima de tudo, que tenha uma cabeça fresca e esse bem precioso que, à conta de tanto nos faltar, vale ouro: tempo. Muito tempo, para respirar, pensar, planear, redigir, reler, apagar, reescrever, adorar, odiar, não se conformar com o que escrever. Um bocadinho de inspiração ajuda, mas defendo que há na escrita (de romances) mais trabalho do que inspiração. Para quem tem a escrita como actividade colateral, embora necessária, não é dado adquirido que as condições se reunam sempre.

Ter uma voz só sua.
Uma voz que esteja nos seus trabalhos independentemente das temáticas e dos malabarismos narrativos que decida para cada livro. Ser distinto, reconhecível mas não idêntico, de livro para livro. Não ser igual a ninguém, nem ser inteiramente igual a si próprio, sem no entanto se trair. Confuso? Não, nem por isso. Difícil? Pois, não sei. Se não surgir naturalmente, não sei como se faz. E que com ela venha uma coisa essencial, o respeito. É fundamental ser respeitado enquanto autor, ter um lugar. E só sobre isso haveria um texto completo para escrever.

Ter leitores.
Ter leitores que o seguem de livro para livro e leitores novos a cada livro. Estranho que um autor que publica diga que lhe são indiferentes os leitores. Assumo que se publica para lhes trazer algo, conhecimento, prazer ou incómodo, outra coisa? Um leitor que publica nada é sem leitores, ainda que não escreva (não deva, não possa) condicionado por eles. Que de preferência que os leitores gostem do que faz, claro, porque há muito suor nas páginas e nem sempre o ego do autor é de ferro. São de invejar os autores que decidem que, se o mundo não os aprecia, é porque não os compreende e não os merece, mesmo que isso seja uma espécie de cegueira que os protege. Claro que o autor que publica precisa de costas largas e fortes, custa um bocadito se o trabalho desagradar, mas há que assumir que a exposição traz alegria e dor, que é natural (e desejável?) que, onde uns encontram virtudes, os outros descubram falhas, que leitores diferentes interpretem de formas diferentes, de acordo com as suas naturezas e experiências. e que enfim, enfim, enfim.

Outros autores poderão precisar de mais. De ganhar dinheiro, ser famoso, fazer da escrita a sua vida, ser a voz de uma nação, ganhar o Nobel, sei lá. Contento-me com menos: tempo, uma voz, respeito e leitores. Peço muito? Se calhar. Mas trabalho, sem dúvida, para os merecer.

domingo, 7 de maio de 2017

Desempoeiramento

Limpou do livro todo o pó, página a página muito bem limpo para que a filha pudesse lê-lo sem lhe faltar o ar. Se o ar lhe faltasse, que fosse por saber que Blimunda via entranhas, quando em jejum, e nove anos passara em busca de Sete-Sóis. Estivera guardado o livro muito tempo, Blimunda e Baltasar e o Convento sentados todos à espera, o Rei sem emprenhar a Rainha, Blimunda sem comer o pão, Baltasar sem desaparecer, o Convento todo por erguer, desde que as mesmas mãos que agora cuidadosamente o saneavam dos vestígios do tempo primeiro o tinham aberto e por fim fechado, muitas páginas depois. Amarelas, agora, manchadas, mas as palavras, essas, tão bem conservadas que, a quem as lia pela primeira vez, pareciam novas. Boas ou más, mas novas. Está desempoeirado, o livro, Memorial todo pronto para mudar de olhos.   

domingo, 30 de abril de 2017

Tertúlia no Museu de Ovar

Rumei a norte esta sexta feira, para uma tertúlia literária no Museu de Ovar, a propósito do lançamento de O Ano da Dançarina. Sendo o meu primeiro encontro deste tipo, desloquei-me com satisfação, mas cheia de (pequenos) receios. Não temia não saber conversar ou não ser capaz de corresponder, mas receava muito que um convite para vir ouvir e conversar com uma escritora quase desconhecida não fosse atraente para ninguém. Ainda há pouco li uma publicação de uma escritora best-seller americana que nunca aceita eventos a solo, sejam autógrafos ou encontros ou palestras, por recear o constrangimento de enfrentar sozinha o vazio de uma sala sem leitores. 
  
Fui recebida, para jantar antes da tertúlia, pelo Carlos Nuno Oliveira, dinamizador do À Palavra com... e pelo Manuel Cleto, director deste museu, com uma simpatia inagualável, e tivemos oportunidade, durante o excelente jantar, para falar sobre estes encontros, sobre as alegrias e dificuldades deste museu, que é particular, e sobre o seu maravilhoso espólio. Houve tempo também - atrasando um pouco o início da tertúlia, é verdade - para uma visita guiada pelo Manuel ao Museu, que é na verdade uma casa particular no centro da cidade. Saramago disse certa vez acerca deste espaço com mais de 50 anos que é menos um museu e mais um "guarda-tudo" e pareceu-me que tinha acertado em cheio, porque vi fotografias internacionais e uma coleção de apiculturas, bonecas do mundo e louça portuguesa, quadros de grande modernidade e um bordado típico feito com cabelo humano... E vi uma cozinha com um tecto originalíssimo. O espólio é enorme e valioso, mas não está exposto em permanência, vai rodando e sendo emprestado.    

Na tertúlia não eramos uma sala cheia, mas tão pouco estava vazia como eu temia, e a conversa acabou por prolongar-se por mais de hora e meia. Falamos sobre o Dançarina, sobre História e sobre a história - recusei-me a revelar a razão do título e o aparente desafazamento entre título e imagem na capa - falamos sobre as personagens e sobre a sua criação, sobre pesquisa, sobre o meu percurso e sobre o livro anterior, O Cavalheiro Inglês, sobre O Chama ao Vento, sobre de onde nascem as histórias, sobre os constrangimentos e vantagens da escrita de romance de época. As conversas vão fluindo, não me lembro já de tudo o que foi sendo dito. 

A certa altura, o Carlos Nuno Oliveira quase me atirou da cadeira abaixo, de surpresa, ao mencionar o blogue e ler dois pequenos poemas tirados daqui. Não sei o que é um poeta, não sei o que é um bom ou mau poema, só sei daquilo que gosto. Gosto de escrever poemas e gostei de os ouvir, o que foi inesperado. Admiti que, talvez por escrever um género muito espartilhado pela necessidade de não deformar as verdades, mesmo sendo ficção, me sabe muito bem o imediatismo e a liberdade de escrever um poema. Se são bons ou maus... importa?

Refiro ainda a simpatia das intervenções dos interlocutores e um ou dois episódios muitíssimo engraçados, com a intervenção... assertiva e... inesperada de uma figura tão curiosa que daria um livro. Julguei vê-lo a dormir, mas afinal ouviu tudo e teve oportunidade para fazer ums espécie de sumário do que tinhamos dito (dentro do género "parece que ouvi aí falar sobre a gripe e também qualquer coisa sobre a guerra") e de, por exemplo, querer saber como "a ilustre senhora dona escritora", sendo mulher, imaginava as personagens masculinas, porque os homens tinham coisas de homem, segundo percebi, e daí partiu para uma diatribe sobre conhecer pessoas, de cujos detalhes infelizmente não me lembro. Não cheguei foi a responder, e ainda bem, não saberia bem como... Creio, mas não juro, que a certa altura este participante quis pôr-me a escrever com uma pena, em vez do computador, como fizeram os grandes escritores... antes da invenção desta máquina utílissima. 

No final, com o Porto de Honra, tive oportunidade de dar dois dedinhos de conversa com alguns dos participantes, incluindo um leitor que eu não esperava de todo que se interessasse por ler o livro ou ouvir-me. Confessou-me ter detestado a sinopse (pela qual sou parcialmente responsável, claro, uma vez que o livro é meu), e nisso não me surpreendeu. O tal assistente de personalidade curiosa também ficou para conversar e percebi que, apesar de ter recursos muito limitados e um certo desfazamento da realidade, é uma pessoa culta, interessada, que mantém a sua pequena biblioteca... e que gere a sua liberdade privada de forma muito original!

Deixei Ovar encantada com a simpatia e com a disponibilidade de quem cede o seu tempo, de forma graciosa, para gerir esta casa com poucos apoios e recursos e para fomentar actividades culturais. E pude provar um delicioso pão-de-ló de Ovar! Pela minha parte, espero não ter despontado. 


quinta-feira, 20 de abril de 2017

a ladainha da diligente

Não querer saber.
Alimentar a distância.
Dizer nada.
Não perguntar.
Perguntar é ridículo.
Anular expectativas.
E ilusões.
Não me deixar levar.
Estar calada.
Dizer nada.
Não perguntar.
Mas e a demora?
É que demora!
Não.
Caladinha.
Ser mais rija.
É mesmo preciso ser rija.
É preciso desligar.
Desligar.
Desligar.
Será o que for, a minha parte está feita.
Fiz tudo. Fiz bem feito.
Fiz bem feito?
E lá estão as dúvidas.
Um desfile de dúvidas.
Dizer nada.
Não perguntar.
Não faço mais isto.
Faço.
Não sei não fazer.
Não ter condescendência para comigo.
Repugna-me a condescendência.
O que for será.
E recomeça.

terça-feira, 11 de abril de 2017

Azul-errado

Estou no cimo de uma estrada larga, num recanto perdido no meio das montanhas, e abre-se à minha frente uma avenida larga, que desce até ao fim da ravina. É de um desses azuis vivos e suaves que precisam de outro nome, azul-cobalto, azul-celes, azure, azul-real, azul da pérsia. Azul-sonho.
A ladeá-la, casas coloridas, banhadas também ela de azul translúcido, como se à beira de uma piscina. Têm telhados pálidos, em triangulo, caixilhos brancos nas janelas e portas. Há flores nas sacadas e um rio a gorgolejar algures, sei que há, mas não o vejo. Creio que o ouço, mas não sei se há som nos sonhos. Por trás, a floresta escura ameaça.
Desço e, de perto, nada é tão bonito. Há vidros sujos e, onde as casas eram pequeninas e delicadas, são agora as casas de cimento cor-de-burro-quando-foge das nossas terras mais feias. O desapontamento é brutal. Nos sonhos, estas coisas são sempre brutais.
De repente, desemboco outra vez no cimo da avenida, acabada de percorrer a custo a longa estrada, porque é de noite e acho que estou perdida. Fico sem fôlego. Lâmpadas douradas iluminam a larga rua e transmutam o postal de encanto pitoresco num cenário de contos de fadas. Podiam irromper elfos da floresta para dançar, envoltos em pirilampos, com as meninas que sairiam das lindas casas, com sardas no rosto e flores nos cabelos.
Não quero descer a rua. Prefiro acordar. Acordo. Não estou encantada. Há algo errado. No cenário, no que eu fazia no sonho. Não sei o quê. Não me lembro.
Não havia sapatos à entrada, mas lembro-me agora de Tim Burton e Big Fish.
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sábado, 4 de março de 2017

Ando a fugir daqui...

porque, com o miolo (quase) pronto, com o nome que quis para ele e conhecendo-lhe a cara, que ainda requer alguma maquiagem, tenho de vencer a tentação de meter os pés pelas mãos e revelar o que ainda precisa de esperar mais um bocadinho. Morder a língua só mais um bocadinho. Posso dizer ao menos que estou a ficar contente com o resultado? É falar demais? 


E fui fazer fotos, para substituir aquelas com que, com quase menos dez anos, andava a enganar os leitores! 


Está quase, quase, tão quase que entrei na fase de expectativa e ansiedade. Não é o primeiro (nem o segundo!), mas bem podia ser. Será que não me acostumo?