Conhecer Florença era um dos meus sonhos e, por saber que teria dias de muita caminhada e poucos tempos mortos, segui sem computador, mas com um caderno na bolsa e a determinação de, sempre que me sentasse para um café ou uma cerveja, assentar alguma coisa do que visse, sentisse e pensasse, assim ao jeito de caderno do viajante. Escolhi um fininho de capa bonita e até lhe dei o nome pretencioso de "caderno florentino". Neste tipo de passeio, em que em poucos (pouquíssimos) dias se aglomeram muitos lugares, se vê muitas coisa e muita do mesmo tipo ou épica, tudo acaba por tornar-se difuso e, no fim, já me pergunto por onde é que andei em que dia, e onde é que eu vi aquela estátua fantástica do rapto das sabinas?
O caderno era para esse registo e para satisfazer a escritora - e porque é que, depois de três livros publicados, continuo a hesitar perante a palavra? - a quem a ideia de cinco dias sem escrever absolutamente nada, se calhar nem o meu nome, dava a impressão de uma longa travessia do deserto. Levei um caderno a fazer de odre de água.
Descobri depressa que seria mais difícil do que calculara, não porque me faltasse a vontade de escrever, mas porque, sendo dois na viagem, impunha-se conversar nas pausas entre caminhadas, sobre o visto e feito, o "a ver" e "a fazer" em seguida, em vez de me embrenhar nas palavras e deixar o parceiro apenas com a companhia dos seus pensamentos. Acrescentou-se o facto de parar menos do que necessitaria para fazer bons apontamentos (ou desejaria, para um passeio a meu gosto) e de andar muito e ver muitas coisas entre descansos.
Quando aos dois "mas..." se juntou o cansaço, potenciado pelo calor, o caderno ficou abandonado no saco. Ou seja, tenho anotações da primeira tarde e dos dois primeiros dias - embora cada vez menos frequentes - e nadinha do terceiro dia e última manhã, o que significa que não tenho detalhes dos lugares por onde andei nessa altura, menos ainda do que os lugares me suscitaram. Uma ideia ou outra talvez regresse, coada pelo tempo e algum descanso, se não me der a preguiça ou não for atropelada pela vontade de escrever outras coisas ou pelo trabalho. Entretanto, vou ler o que está feito e, disso, ver o pouco que valerá a pena refazer para o meu monster.
Nota inicial: Florença é uma obra de arte antiga.
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