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quarta-feira, 3 de fevereiro de 2021

Ler para escrever. Ler também para outras coisas - muitas, todas.


Depois de anos na escrita, ainda não sei quando é que se passa de "pessoa que escreve umas coisas" a escritor. Quando é que se atravessa essa linha: quando se completa um original? Quando uma editora aposta no original? Quando surge a primeira opinião sobre um trabalho publicado? Quando se ganha um conjunto de leitores? Quando o nome é reconhecido? E se não publica durante algum tempo, um escritor deixa de o ser? E quando não publica mais nada? 

Fiz essa pergunta numa story do instagram. Este foi o resultado (sim eu sei, ainda não tenho 3 milhões de seguidores, eh!). Não houve, claro, grande consenso. Eu também não sei responder a nada disto. Talvez não seja mesmo possível encontrar uma resposta consensual... e creio que não importa, de qualquer forma. Cada um com o seu ponto de vista, não é verdade? Para um escritor, o que importa é ser lido.

E, antes disso, o que importa é LER. LER, LER, LER. 

Sou leitora desde que me lembro de saber juntar palavras. Não, desde antes disso, com imagens, com as histórias que me liam, com as que de certeza inventava. Há momentos de menos inspiração, momentos em que mal leio e muitos momentos em que não sou capaz de escrever. Mas uma coisa não existe sem a outra - ser escritor sem ser leitor? Não compreendo. Já ouvi por aí afirmações de escritores (não vou questionar se o são ou não, ainda agora concluí que não sei definir o que isso seja) ou aspirantes a escritores que "nunca leram um livro" ou "leem pouco". Como? Como?? Ser um bom leitor está na base de ser um bom escritor. Isso não significa obrigatoriamente ler apenas bons livros. É preciso ler bons livros, claro. Mas ler livros excelentes, bons, medíocres e maus ensina-nos muito sobre como se escreve. Mostra-nos o caminho que queremos seguir e quem somos enquanto escritores. Define uma base essencial de referências, de estruturas, de tópicos fundamentais que fazem a literatura. Salvam-nos de armadilhas e clichés, se estivermos atentos, ou permitem-nos usá-los "tongue in cheek". Não temos de escrever como os autores que mais admiramos (é evidente), mas eles estruturam o nosso modo de olhar para a literatura - para a escrita. 

E que mais nos oferece a leitura, enquanto escritores, mas também enquanto leitores? Como seres humanos? Muito. Oferece-nos mundo, interior e exterior. Ler aprofunda a inteligência, a criatividade, melhora a concentração, o humor. Dá-nos paisagens novas, quantas delas imaginárias, e dá-nos gente, mesmo quando o tempo, o espaço e a gente nos falha. Ajuda-nos a compreender modos diferentes de estar, de pensar, de querer: faz-nos seres humanos melhores, mais empáticos. Abre a porta a um melhor entendimento de nós mesmos. Alarga o vocabulário e a elasticidade da estrutura frásica, e com isso melhora a capacidade de descodificar qualquer tipo de mensagem, direta ou subentendida, e de comunicar, de forma direta ou entrelinhas. Saber ler evita muitos enganos, permite-nos fazer escolhas em consciência, sem sermos enganados por discursos fáceis e teorias atraentes.

E faz companhia. Consola. Distrai. Ensina. Exige. Oferece. Precisamos de tudo isto, neste momento. Sempre.

Por tudo isso, é importante incentivar a leitura nos jovens, apesar da resistência, e ajudá-los a encontrar a "sua" leitura (porque sim, acredito que todos gostamos de ler, se encontrarmos o livro certo, no momento certo), e alimentá-la sempre, mesmo que pareça ter pouca fome. E por isso é que o livro é bem essencial. É necessário que o amor da leitura nasça de bons livros? Não. É necessário que nasça. O resto é um caminho.


Nota: estou a ler Fahrenheigt 451, um pouco assustada com o seu caminho de estupidificação geral (ser ignorante é ser feliz?), que conduz à eliminação e diabolização do livro. Tantas semelhanças! Parece-me que estamos nessa senda. Será irremediável?

Imagens: Norman Rockwell

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