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domingo, 30 de abril de 2017

Tertúlia no Museu de Ovar

Rumei a norte esta sexta feira, para uma tertúlia literária no Museu de Ovar, a propósito do lançamento de O Ano da Dançarina. Sendo o meu primeiro encontro deste tipo, desloquei-me com satisfação, mas cheia de (pequenos) receios. Não temia não saber conversar ou não ser capaz de corresponder, mas receava muito que um convite para vir ouvir e conversar com uma escritora quase desconhecida não fosse atraente para ninguém. Ainda há pouco li uma publicação de uma escritora best-seller americana que nunca aceita eventos a solo, sejam autógrafos ou encontros ou palestras, por recear o constrangimento de enfrentar sozinha o vazio de uma sala sem leitores. 
  
Fui recebida, para jantar antes da tertúlia, pelo Carlos Nuno Oliveira, dinamizador do À Palavra com... e pelo Manuel Cleto, director deste museu, com uma simpatia inagualável, e tivemos oportunidade, durante o excelente jantar, para falar sobre estes encontros, sobre as alegrias e dificuldades deste museu, que é particular, e sobre o seu maravilhoso espólio. Houve tempo também - atrasando um pouco o início da tertúlia, é verdade - para uma visita guiada pelo Manuel ao Museu, que é na verdade uma casa particular no centro da cidade. Saramago disse certa vez acerca deste espaço com mais de 50 anos que é menos um museu e mais um "guarda-tudo" e pareceu-me que tinha acertado em cheio, porque vi fotografias internacionais e uma coleção de apiculturas, bonecas do mundo e louça portuguesa, quadros de grande modernidade e um bordado típico feito com cabelo humano... E vi uma cozinha com um tecto originalíssimo. O espólio é enorme e valioso, mas não está exposto em permanência, vai rodando e sendo emprestado.    

Na tertúlia não eramos uma sala cheia, mas tão pouco estava vazia como eu temia, e a conversa acabou por prolongar-se por mais de hora e meia. Falamos sobre o Dançarina, sobre História e sobre a história - recusei-me a revelar a razão do título e o aparente desafazamento entre título e imagem na capa - falamos sobre as personagens e sobre a sua criação, sobre pesquisa, sobre o meu percurso e sobre o livro anterior, O Cavalheiro Inglês, sobre O Chama ao Vento, sobre de onde nascem as histórias, sobre os constrangimentos e vantagens da escrita de romance de época. As conversas vão fluindo, não me lembro já de tudo o que foi sendo dito. 

A certa altura, o Carlos Nuno Oliveira quase me atirou da cadeira abaixo, de surpresa, ao mencionar o blogue e ler dois pequenos poemas tirados daqui. Não sei o que é um poeta, não sei o que é um bom ou mau poema, só sei daquilo que gosto. Gosto de escrever poemas e gostei de os ouvir, o que foi inesperado. Admiti que, talvez por escrever um género muito espartilhado pela necessidade de não deformar as verdades, mesmo sendo ficção, me sabe muito bem o imediatismo e a liberdade de escrever um poema. Se são bons ou maus... importa?

Refiro ainda a simpatia das intervenções dos interlocutores e um ou dois episódios muitíssimo engraçados, com a intervenção... assertiva e... inesperada de uma figura tão curiosa que daria um livro. Julguei vê-lo a dormir, mas afinal ouviu tudo e teve oportunidade para fazer ums espécie de sumário do que tinhamos dito (dentro do género "parece que ouvi aí falar sobre a gripe e também qualquer coisa sobre a guerra") e de, por exemplo, querer saber como "a ilustre senhora dona escritora", sendo mulher, imaginava as personagens masculinas, porque os homens tinham coisas de homem, segundo percebi, e daí partiu para uma diatribe sobre conhecer pessoas, de cujos detalhes infelizmente não me lembro. Não cheguei foi a responder, e ainda bem, não saberia bem como... Creio, mas não juro, que a certa altura este participante quis pôr-me a escrever com uma pena, em vez do computador, como fizeram os grandes escritores... antes da invenção desta máquina utílissima. 

No final, com o Porto de Honra, tive oportunidade de dar dois dedinhos de conversa com alguns dos participantes, incluindo um leitor que eu não esperava de todo que se interessasse por ler o livro ou ouvir-me. Confessou-me ter detestado a sinopse (pela qual sou parcialmente responsável, claro, uma vez que o livro é meu), e nisso não me surpreendeu. O tal assistente de personalidade curiosa também ficou para conversar e percebi que, apesar de ter recursos muito limitados e um certo desfazamento da realidade, é uma pessoa culta, interessada, que mantém a sua pequena biblioteca... e que gere a sua liberdade privada de forma muito original!

Deixei Ovar encantada com a simpatia e com a disponibilidade de quem cede o seu tempo, de forma graciosa, para gerir esta casa com poucos apoios e recursos e para fomentar actividades culturais. E pude provar um delicioso pão-de-ló de Ovar! Pela minha parte, espero não ter despontado. 


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