Este foi para os meus filhos, quando eram pequeninos, com direito a um livrinho, com desenhos (que não este) mais giros que o conto.
Todos os meninos sabem
que, na véspera de Natal, sem falhar, desde que há Natal no
mundo, São Nicolau põe todos os brinquedos no seu trenó, junta as renas à
sua frente e, juntos, correm os céus para entregar brinquedos nas chaminés - e
janelas! - das casas que celebram esta data. São muitas renas e muito especiais,
porque são rápidas como o vento e tão espertas que até sabem falar.
Certo Natal muito frio,
estavam as renas reunidas-se no seu redil no Pólo Norte, a conversar sobre a
noite seguinte, quando uma rena muito grande e sempre mal disposta resmungou:
- Pois eu não sei porque
é que temos que andar por aí numa noite tão fria. Os outros animais ficam nas
suas tocas!
Continuou a protestar, a
protestar, contagiando cada rena com a sua irritação. Umas diziam uma coisa,
outras diziam outra e às tantas diziam todas o mesmo, mas não se entendiam
Fizeram tanto barulho que as luzes na casa de Nicolau se acenderam e ele saiu,
de camisa de dormir e grandes pantufas encarnadas. A barba branca e as
bochechas brilhavam ao luar.
- Mas o que é que se
passa aqui? Preciso de dormir, amanhã é a grande noite!
- Tio Nicolau, - disse
uma rena de hastes tão grandes que chegavam aos ramos mais baixos do abeto -
nós este ano não queremos andar por aí na véspera de Natal. Não vamos contigo
entregar os brinquedos. Temos frio!
O Pai Natal ficou muito
admirado e muito aflito.
- Mas, queridas renas,
vocês dormem sempre na rua! E...
Um coro de protestos
interrompeu-o. Que não era o mesmo, que lá em cima nos céus estava mais frio,
que estavam fartas.
- Mas então como é que
eu levo os presentes aos meninos? Eles vão ficar tristes este Natal?
As renas pensaram e
pensaram.
- Vai de carro. –
sugeriu uma lá do fundo – Os carros são rápidos e não têm frio como nós!
- Os carros não voam,
renas! Como é que eu vou atravessar os oceanos para levar os brinquedos
até ao fim do mundo?
Uma respondeu, numa
vozinha atrevida:
- Então vai de avião. Os
aviões voam.
O Pai Natal abriu muito
os olhos. As renas estavam a gozar com ele? Que ideia tão estranha! O Pai Natal,
de avião? Nunca se tinha visto tal coisa. A perder a paciência, lembrou:
- Os aviões passam lá
muito em cima! Com um avião, eu não consigo chegar às chaminés e muito menos às
janelas. Como é que eu entregava os brinquedos? Se os atirar, partem-se, e
ainda posso enganar-me na casa... E se a Marianinha fica com o carro vermelho e
o Luís com a boneca dela?
As renas ficaram muito
aborrecidas. Já não tinham mais nenhuma ideia, mas eram muito teimosas, e por
isso baterão o pé... ou o casco, que é o que as renas têm no fim das pernas!
- Pois, nós não sabemos
como vais fazer, tio Nicolau, mas queremos ficar em casa. Temos muito frio e
queremos ficar por aqui.
Nicolau ficou a olhar
para elas, muito triste e zangado e sem saber o que fazer. Era um problema, aquilo.
Uma das renas, que já era um bocado velhota e estava com ele há muitos anos,
furou pelo meio das outras até à cerca e sorriu para ele, daquela maneira
especial que as renas falantes têm de sorrir.
- Eu estou velha e com
pouca força, Nicolau, mas não quero que os meninos do mundo fiquem sem Natal. Vou contigo. Nós os dois vamos conseguir levar os
presentes aos mais pequeninos.
Nicolau, tão preocupado
que nem notara que começava a formar-se gelo na sua barba e sobre os seus
cabelos brancos, respondeu:
- Obrigada, minha
querida, mas sabes... só nós... não vamos conseguir entregar todos os
presentes. É impossível. Há tantos meninos no mundo, e só os dois, com o trenó
tão pesado, vamos muito devagar de certeza.
Olhou para as renas, que
baixaram a cabeça, um pouco envergonhadas mas cheias de teimosia, e voltou-lhes
as costas. Já não dormiu mais nessa noite, mas não conseguiu descobrir nenhuma
solução.
A noite seguinte estava uma bela noite, com uma lua
muito gorda e brilhante reflectida na neve muito branquinha. Mas para o Pai
Natal, a noite não estava nada bonita. Ficou
muito tempo a olhar para a montanha de presentes no trenó. Sacudiu a cabeça,
desanimado, ajeitou o gorro e atrelou a sua única rena fiel. Estalou a língua e
sairam os dois, a rena bufando e suando para arrastar todo aquele peso. Iam
levar aos meninos tantos brinquedos quantos pudessem. Enquanto se afastava pelo
céu escuro, Nicolau pensava que aquela ia ser a noite de Natal mais triste de
sempre.
Da janela, as renas
viram-nos afastar muito devagar, a muito custo, e ficar cada vez mais
pequeninos, mais pequeninos, até desaparecerem no horizonte. Tinham entrado em
casa de Nicolau, como faziam sempre depois de entregar os presentes, para se
sentarem à frente da lareira bem acesa e quentinha, mas o calor não lhes
chegava ao coração, que lhes pesava como uma grande pedra de gelo. Já não
tinham muita certeza de terem razão. Levar os presentes aos meninos era um
trabalho muito importante. E, afinal, lá em cima no céu estava sempre frio...
era assim mesmo, desde sempre, e elas nunca se tinham importado. Gostavam de
voar nos outros dias e tinham orgulho do seu trabalho. De onde lhes viera a
ideia de ficar para trás?
- O que é aquilo ali? –
perguntou uma rena mais pequenina e curiosa, ainda à janela.
Sairam lá para fora e
viram, debaixo do grande abeto decorado lá fora, muitos pequenos presentes. “RENA”, era
o que estava escrito em cada um. Muito admiradas, porque sabiam que não se
tinham portado bem, rasgaram o
papel com a boca e descobriram...
belos cachecóis quentinhos, gorros de lã especiais para renas e lindas
pantufas, quatro para cada, para aquecer as suas patas preguiçosas.
- Ai,ai,ai,ai, ai... –
queixou-se uma rena e, num instante, todas se queixavam.
Estavam muito, mas mesmo
muito envergonhadas. Tinham sido tão teimosas e o Pai Natal, mesmo assim, não
se esquecera delas e daquilo que elas mais desejavam: estar quentinhas nesse
Natal. A rena grande e resmungona ficou calada e as outras conversaram durante
um bocadinho.
- Vamos?
- Vamos!
Puseram nas patas as
pantufas, nas cabeças teimosas os gorros, enrolaram os cachecóis nos pescoços e
saíram atrás de Nicolau, pelo caminho que sabiam de cor. Encontraram-no logo a
seguir. Tinha andado pouco, com aquele trenó tão carregado e só uma rena, ainda
por cima a mais velha e cansada de todas as renas, e estava parado mais adiante
para deixá-la descansar. Nem um presente fora entregue ainda e Nicolau
suspirava de desânimo. Pousaram ao seu lado.
- Desculpa-nos, Nicolau,
desculpa-nos. Nós fomos casmurras, mas estamos arrependidas e queremos
ajudar-te a levar os presentes. Podemos? Vamos a tempo?
Ele soltou uma
gargalhada, as grandes bochechas brilhando de felicidade.
- Estou um pouco
desapontado convosco, minhas amigas, mas nesse momento isso não importa: o que
importa era o Natal dos meninos! Vamos embora! Depressa!
As renas alinharam-se na
sua posição habitual, com a velha rena entre elas, sorrindo o seu sorriso de
rena, Nicolau atrelou-as, a rena de nariz brilhante à frente, a apontar o
caminho, com a cabeça bem erguida, e partiram e direcção às estrelas, para que
todos os meninos tivessem Natal.
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