Durmo bem, tomo um pequeno almoço simpático no hotel e preparo-me para o calor, vestido de alças e chapéu, antes de sairmos para começar um dia que prevejo esgotante e fantástico.
Vamos diretos a Santa Maria del Fiori, devagar, gozando a cidade. São dez da manhã e a praça do Duomo já se enche de turistas. Junto à Catedral, forma-se uma enorme fila, que a contorna e desaparece numa curva. Anuncia-se mais de uma hora de espera. A aquisição de bilhete é um pouco confusa, feita no número 7 dessa rua. Pagamos, se não me engano, 15 euros, que nos dão direito à entrada em vários espaços.
O Battistero
Por ter muito menos gente, visitamos primeiro o Battistero di San Giovanni, estrutura circular com uma alta cúpula, que parece, ainda assim, uma anã junto do Duomo. O espaço é despido de artefactos, com excepção de uma grande estrutura circular ao centro, como uma mesa, mesmo debaixo da clarabóia. Tem-se a noção exacta do que pretendia a construção sacra: é preciso olhar para cima e, ao fazê-lo, o espanto, no melhor sentido da palavra, é inevitável. Painéis dourados com cenas bíblicas trepam a cúpula, e é-nos possível "ler" alguns, identificando as histórias que se contam da esquerda para a direita, horizontalmente. Sob as primeiras imagens, arcos e nichos profusamente trabalhados acolhem uma multiplicidade de janelas. A luz é coada, pensada decerto para acentuar a impressão de paz e imensidão. É fácil imaginar o espaço preenchido silenciosamente por nobres em vestidos e capas, nos baptismos dos seus pequenos princípes e princesas, ou ficcionar conspirações sussurradas na penumbra...
Duomo

Depois da promessa do seu exterior opulento, o Duomo desaponta um pouco. Claro que exibe a sobredimensão costumeira nas catedrais, e a sua riqueza, os tectos altíssimos, as colunas, os arcos e as ogivas, as capelinhas trabalhadas, algumas obras maravilhosas, mas, depois de me ter emocionado com maravilhas do lado de lá de portas insignificantes em Roma, parece-me pouco. Ocorre-me que talvez a diferença esteja aí, Roma foi o meu primeiro amor italiano, e por isso talvez Florença fique áquem. É cedo, claro, para afirmações destas: o Duomo poderá não ter sido pensado para estarrecer por dentro, mas apenas por fora, é provável que outros espaços me seduzam mais. Sei que o Pedro partilha do mesmo sentimento de ligeira desilusão, mas admiramo-lo, ainda assim, e descemos às catacumbas para ver os vestígios da construção em épocas anteriores, recuando ao romanos.
Saímos por fim do lado oposto, onde se forma uma longa fila para trepar a torre lateral. Para esta é preciso bilhete, que temos, mas hesitamos e decidimos tomar um café, enquanto observamos o avançar da linha. Sentamo-nos, sem notar, no que deve ser o café mais caro de Florença, o Café d'el Opera (creio que li isso nalgum lugar) e saímos dali 8 euros mais pobres. Eu já o esperava, mas o Pedro fica chocado, nem os bolinhos secos, nem o mini-copo de água justificam 4 euros por um expresso. Entretanto, desistimos de subir, a fila não avança nada enquanto esperamos. Imaginamos o tempo que todas aquelas pessoas, à espera à torra de um sol abrasador, levarão a subir e descer. Optamos, pois, por visitar o Museu d'el Opera, onde vemos uma reprodução da fachada gótica do Duomo, anterior à actual, e as três portas assombrosas do Battistero, para além de uma profusão de arte sacra e de arte antiga. Começo a sentir que talvez o bilhete tenha sido bem comprado. Para subir à cúpula é preciso marcação, e nós só temos vez daí a dois dias, às 11.30 da manhã. Marcamos. Vão ser 463 degraus. 463 degraus. Serei capaz?
Palazzo Vecchio
Continuamos por ruas e vielas estreitas até ao Palazzo Vecchio. Parece-me que é disto que mais vou gostar nesta cidade, de simplesmente estar e, apenas por isso ou por estar calor, tenho uma vontade constante de sentar-me nas esplanadas. São muitas, embora a maioria um pouco cara e ao sol. Notamos que, apesar de não ser ainda hora de almoço sequer, muitos turistas bebem um cocktail cor de laranja. É decerto coisa a experimentar. O percurso é rápido, mesmo fazendo-o devagar, e a praça do Palazzo um espanto. O edifício de pedra avermelhada à minha esquerda é extraordinário, de fachada direita, rectangular, encimada por uma ameia e interrompida por janelas a espaços regulares. Ao cenro, a alta torre do relógio. Duas estátuas que, desconfio, serão imitações de Michelangelo (mas não confirmei, posso estar inteiramente errada), guardam a enorme porta de entrada. Perco-me um pouco no enleio de observar o Palácio, que me fascina
muito mais do que o Duomo. Não me apetece mover-me dali, mas está muito sol e, à minha frente, do outro lado da praça, várias estátuas e a sombra das arcadas que as abrigam chamam-me. Gosto pelo menos tanto de escultura como de pintura, por vezes mais, e não posso deixar de admirar as proporções perfeitas destas. Procuro angulos para as (péssimas) fotografias que vou tirando, enquanto aproveito a sombra o melhor que posso. O calor é quase insuportável.
O Arno - Ponte Vecchia
Seguimos uma espécie de avenida junto a um edifício cinzento e longo, em direção ao rio. Há uma fila enorme: são as Galerias Uffizi, que, segundo li, são dos museus mais visitados do mundo. Deixamo-las para o dia seguinte e vamos debruçar-nos no muro, procurando um espacinho entre os muitos e muitos turistas como nós, para admirar o Arno, o rio estreito - se comparado com o Tejo, que em Lisboa é quase mar - e muito verde. Para a esquerda, pontes de arcadas com ar antigo. à direita, a estranhíssima Ponte Vecchia. Quem se terá lembrado de construir edifícios sobre ela, ou, nas margens, de estendê-los sobre o rio, sustentados por vigas oblíquas? Tudo me dá a impressão de fragilidade, precaridade, mas suspende-se assim há séculos e é decerto de uma firmeza inabalável. Atravessar a ponte é uma experiência curiosa. Não se tem a impressão de passar o rio, porque somos distraídos pelos muitos turistas, mas mais ainda pela profusão de ouro nas montras: todas as lojas são ourivesarias, e a maioria exibe, sem gosto nenhum, todo o ouro que a montra comporta. Há flores nas sacadas dos edifícios, por cima, o que me leva a pensar que vive ali gente. Como será viver sobre uma ponte?
Do lado de lá, ainda muita gente, centenas e centenas de turistas, de ténis, chinelas, sandálias, canções, vestidos curtos e compridos, mais e menos elegantes, mas também muitos habitantes locais. A confusão no trânsito é a mesma, as pessoas caminham e atravessam onde e quando calha, mas parece-me ver mais automóveis, menos bicicletas, nenhuma carruagem. Tenho a impressão de ter recuado ainda um pouco mais no tempo, mas pode ser ilusão ver as ruas mais estreitas e os edifícios mais antigos. Seja como for, agrada-me muito. Mais adiante, encontraremos o Palazzo Pitti, mas antes disso, paramos numa pequena pizzeria de chão vermelho e branco e mesas de madeira, aberta para a rua, onde se come pizza às fatias. Eu insisto nos legumes, o Pedro nos fiambres, eu gosto muito, o Pedro nem tanto: a massa é pouco fina e a pizza tem demasiado tomate para o seu gosto. Descansamos um pouco. À tarde, espera-nos o enorme Pitti.
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