Este livro do Nuno Nepomuceno - mais uma vez estou perante uma opinião sobre um livro de alguém com quem já me cruzei e com quem simpatizo - parte de um premissa interessantíssima: a de que o nosso jardinzinho à beira mar plantado é tão susceptível como qualquer outro de ser vítima de um atentado terrorista. É o que sucede nas primeiras páginas e, a partir daí, vemo-nos embrulhados numa série de intrigas e jogos de interesse que nos levam a uma conclusão que, não sendo surpreendente, é lógica.
Há uma excelente pesquisa neste livro, sobretudo acerca dos costumes religiosos muçulmanos... embora saiba tão pouco sobre eles, que o Nuno podia ter inventado e eu acreditava. Sei, porém, que não o fez, e é de facto fantástico o detalhe a que se propôs. Nota-se ainda a preocupação de saber sobre o funcionamento dos serviços de segurança nacional, que dão um toque James Bond - moderado, afinal o protagonista é um professor universitário - ao livro, e em conhecer e dar a conhecer os meandros da situação política e económica no Médio Oriente, nomeadamente os interesses Ocidentais por trás dela.
A história desenvolve-se em várias vertentes, sob diferentes pontos de vista, em capítulos curtos que são muito fáceis de ler. O Nuno tem um discurso limpo e adequado ao género e é cuidadoso na inserção da informação, de modo a não ser aborrecida, o que facilita a concentração nos acontecimentos. O ritmo é rápido, os acontecimentos sucedem-se, até porque saltamos de uma para outra personagem, algumas devidamente indefinidas, para não revelar segredos cedo demais. Para além disso, leva-nos para além de Lisboa, à Turquia e a Aleppo, no início da destruição. Coloca-nos, também, a bordo de um desses botes apinhados de refugiados que se esforçam por atravessar o mar de noite. São todas situações quase essenciais num livro deste tipo.
O protagonista, o professor Afonso Catalão, é uma personagem interessante, complexa, com certa sedução séria, sofrida, cínica, ainda que não tenha conseguido importar-me tanto com ele como com André Marques-Smith. Há uma história pessoal pesada e pouca perspectiva de um pouco mais de luz no final, porque os fantasmas que o professor arrasta dificilmente o abandonarão. Não vejo como. Ainda assim, não chego a lamentá-lo, talvez por não ser, na verdade, um homem simpático. Há um aspecto na jornalista (também ela uma personagem com profundidade e interesse) que não posso revelar, mas me parece desnecessário... Não tem peso na narrativa, a não ser para tornar mais negro o presente e o futuro. Todas as restantes personagens têm uma função, sem desperdícios ou presenças inúteis, demonstrando algumas a devida profundidade e as outras a devida tipificação. O Nuno doseou-as bem.
Nota-se, da parte do Nuno, o bom coração, isto é, uma vontade muito grande de entender as razões para o ódio muçulmano, as responsabilidades do mundo ocidental na situação no Médio Oriente, as dificuldades de integração dos muçulmanos nos países ocidentais (neste caso, Lisboa)... e não sei se não foi aí que, para mim, o livro caiu no exagero. Quase fui assaltada pela impressão de que não há defeitos entre os muçulmanos, que são todos gente de paz, até lá colocarmos a semente do ódio, e que "nós" somos tão interesseiros, tão preconceituosos, que nem os adolescentes hesitam em cometer um dos piores crimes possíveis, Essa impressão deixou-me um amargo de boca, mas não posso, infelizmente, detalhar os motivos que a causaram, sem estragar a leitura com revelações que devem surgir aos poucos. Esta interpretação pode ser errónea, claro, e foi decerto influenciada por um certo cinismo da minha parte em relação a todas as religiões e aos males que têm causado ao longo dos tempos. Imagine no religion...
A Célula Adormecida é, antes de mais, um thriller bem construido, de leitura veloz, com um enredo sólido e interessante, apoiado em muita informação relevante, personagens fortes, ambientes bem definidos e num ritmo excelente. Ganha-se em ler este livro do Nuno Nepomuceno.
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