No mesmo dia em que machetes e
facas faziam rolar as primeiras cabeças na terra quente onde nascera, sem
distinção de credo ou raça, Alberto Jones Mendes Sousa dizia um sim
entusiástico numa capela em Lisboa, perante um padre com sotaque beirão, os
companheiros do curso de Engenharia de Minas, um tio solteirão que vivia no
Porto e se dispusera a representar a família, e membros divididos da família da
noiva, parece-me bem, parece-me mal, estão apaixonados, a rapariga está é grávida.
Alberto sorria, desconhecendo que, enquanto fitava os doces olhos de Brígida e
pronunciava numa certeza mentirosa a promessa de lhe ser fiel e de a amar em
todas as circunstâncias que a vida lhes atirasse ao caminho, o dono de outros
olhos, amarelados num rosto negro cortorcido de sanha, fitava o cocuroto desalinhado
da tia Filomena, dobrada pelos joelhos, a cabeça puxada para trás pelas garras
nos cabelos prateados, e lhe rasgava uma fenda lisa e funda na garganta, pela
qual o sangue gorgolejante lhe levaria a vida. O seu cadáver e os outros dessa
casa, tio e prima mais nova, os criados e a azarada visita portuguesa que viera
para o almoço de galinha em óleo de dém-dém e pirão, seriam queimados pouco
depois, coincidindo grosso modo com o momento em que, em Lisboa, se serviam as
sobremesas no copo-de-água. Noutras casas por toda a província de Salazar,
Cuanza Norte, gritava-se de terror ao mesmo tempo que copos chocavam em
celebração na boda simplificada, apressada para que os inesperados noivos
pudessem partir depressa para Angola.
(pág 6 - por ora - do que ainda há de ser um romance, se me chegar a inspiração)
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