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quarta-feira, 14 de setembro de 2016

Para onde vão os guarda-chuvas - Afonso Cruz

18591734Tinha este livro há algum tempo na minha pilha dos que vão ser lidos a seguir, mas, por um motivo ou por outro, acabei por levar uma eternidade a pegar-lhe. Depois de ter começado, porém, voou entre os meus dedos. Tem mais de 600 páginas, mas lê-se como se tivesse metade, em parte porque muitas das páginas são preenchidas com lindíssimas fotografias, como porque os capítulos são, na sua maioria, muitos curtos. 

Gosto muito de Afonso Cruz, não só da sua escrita, mas da sua figura humanista, de escritor, músico, artista plástico, homem da cultura, e de uma certa placidez e bonomia nas fotografias em que aparece (não o conheço pessoalmente, talvez engane, não sei, mas é o que vejo). Gostei muito do que li dele até aqui e, no entanto, a minha leitura deste livro não foi sempre pacífica. Pelo contrário. 

Li as primeiras páginas com relutância, perguntando-me o que teria mudado em mim, enquanto leitora, que me fazia rebelar contra o estilo metafórico, carregado de imagens, poético, que tanto apreciara no autor noutros livros. Acabei por envolver-me na fantástica história, claro, nas personagens, que são tão importantes para mim, por segui-las com ansiedade, por identificar-me com algumas das suas dores, por revoltar-me com a violência, mesmo nos homens bons, e com a naturalidade com que ela é encarada, por espantar-me com a semelhança nos que nos são tão diferentes e em observar com fascínio alguma da filosofia e cultura - tão diferente a cultura, tão iguais que somos enquanto seres humanos, nos sentimentos, ansiedades e buscas. Fui esquecendo alguma impaciência com o estilo, que acabou por absorver-me, porque é bonito, elaborado e serve muito bem esta narração (Afonso Cruz é de facto um mestre do seu estilo), ainda que, de quando em quando, uma frase ou outra, uma imagem ou outra me fizessem estalar a língua ou sacudir a cabeça. Estou diferente? Sou outra leitora? Se calhar.  

Dei por mim a perguntar-me se isso representaria também uma mudança enquanto escritora, não para uma escrita mais despojada, porque já é o que faço, mas para a aceitação de que a metáfora e a exacerbação de uma certa imagética não me serve, ao contrário do que, durante algum tempo, desejei e aspirei fazer. Servir-me-à para a poesia. Talvez. 

O livro é maravilhoso, com ou sem um certo excesso verbal - para mim, neste momento, isto é capaz de passar-me -  e nem vou referir o fim, que é dolorosamente (im)perfeito. Não quero.

Nota: quase me esquecia de umas palavrinhas finais para as fotos, a remeter a vida para um jogo de xadrez, como em muitos momentos o livro refere. Muito bem. 

1 comentário:

J. disse...

Achei fantástico todo o enredo e a forma como foi construído. Também sou da tua opinião quanto à edição do livro e às passagens com imagens. :)