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domingo, 29 de junho de 2014

Imagens que inspiraram, parte 3 (e última!)

Terceira e última publicação de imagens e seus excertos do A Chama ao Vento. As primeiras páginas do ebook podem ser lidas aqui, e pode ser comprado aqui.

Enjoy! 


Mais tarde, Dekel fechara-se em copas perante as suas perguntas, sobre quem eram eles e o que faziam em Lisboa, de onde os conhecia, e apressara-se a desviar o assunto para qualquer coisa engraçada. Mais do que tudo, isso intrigara João. Não havia razão para fazer segredo, mesmo que fossem ilegais. Havia tantos que permaneciam meia dúzia de meses escondidos‑à‑mostra, numa situação relativamente precária, à espera de lugar num paquete ou num hidroavião que os levasse para as Américas, que passara a ser um desses segredos que toda a gente sabe mas finge que não sabe, não vá estar por ali algum alemão ou simpatizante nazi mais sensível.



Desistindo de lutar consigo próprio, entrou à socapa e avançou de cabeça baixa, serpenteando para evitar as pessoas que passeavam os seus fatos elegantes, ao som de blues e de canções românticas vindas do outro lado do oceano. A música era um pano de fundo poderoso, que permeava o próprio ar. Nesse momento, a banda tocava Getting Some Fun Out of Life, da Billie Holiday, um complemento pungente para o ambiente do salão, ao mesmo tempo exuberante e tenso. Deu por si, enquanto avançava, pensando na ironia daquilo. Aquela gente parecia divertir-se mas, talvez graças às palavras amargas de Dekel ou à sua angústia pessoal, ou ambas, não sabia, tornara-se subitamente muito clara a presença da fera, dormente mas capaz de erguer a cabeça a qualquer momento e devorá‑los a todos. Dormitava no swing da música e na alegria trágica do riso, na dança e na bebida, prazeres imediatos em que se afogavam os fantasmas que todos traziam colado aos ossos... Não. Para os estrangeiros exilados temporariamente na paz luxuosa e artificial do Estoril ou noutro lado qualquer, a maioria ali, o horror não era nenhum fantasma. Para Pavel e Will, para Dekel, não era um fantasma. Eles traziam os vestígios da morte na alma, memórias de perda e a dor do irrecuperável. Para eles, a guerra tinha um corpo consistente, monstruoso, e os muitos rostos hediondos dos seus carrascos.


Tirou devagar um lenço do bolso e limpou a testa e o pescoço. Agora era uma questão de tempo. O hidroavião já tinha os motores em movimento, roncavam no silêncio da noite como dois pequenos animais. Em poucos minutos, Dekel seria engolido por ele e, no seu ventre, faria essa viagem através do oceano, que o transformaria em pouco mais do que uma miragem nas suas vidas. Acabar-se-ia tudo, não só o mistério, mas toda a emoção e o tumulto que Dekel trouxera à sua vida e sobretudo à de Carmo. ~

repito: (estas imagens, como disse, foram recolhidas na net. Se a publicação no monster ofender susceptibilidades ou direitos de autor, uma mensagem basta para que as retire de imediato... De resto, obrigada a quem em primeiro lugar as tornou públicas)

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