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terça-feira, 6 de maio de 2014

À espera de Denver

A propósito de Automat, de Hopper


Edward Hopper, Automat, 1927,
Entrou sozinha pediu um café
fitou a chávena branca a ler nas borras
o desenho incómodo dos dias.
Disse-me que esperava o autocarro
das onze para Denver
Atrás do balcão
imagino que a espera uma casa vazia,
um trabalho hipotético
uma amiga sem tempo
o mover automático das horas
num relógio de parede
e nenhum homem
O que muda da maçã para Denver
se o casaco é do mesmo verde
A solidão grumosa
come em azeitona o negro da noite
todos os dias o vermelho
me incomoda à janela
e ainda não o mudei de lugar
Ela quer pagar
"Deixe-se estar, ainda é cedo
e cá dentro está calor."
Sirvo outro café e ela agradece
tem a boca rosada
e voz pequena e fria
Lembro-me do homem que ontem
se sentou nesse lugar
a medir os dias numa fatia de tarte
se esperasse mais do que coincidências
talvez se descobrissem
um no outro à mesa,
talvez ele não seguisse as luzes
do tecto para o fundo da noite
para um estúdio com kitchenete
no décimo andar
e a briga dos vizinhos
e por causa de um sorriso
ela perdesse o autocarro
para Denver



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