Páginas

sábado, 22 de março de 2014

como me apetecer

Ele olhou para ela com espanto. Algum aborrecimento, talvez. 
- Não está a ser como devia.
- Não devia ser coisa nenhuma... Não prometemos nada um ao outro.
- Não é preciso. Está implícito, tu sabes. 
Foi a vez dela. Olhou para ele com algum aborrecimento.
- Não sei nada. Faço como me apetecer.
- E como é que te apetece? Dizes-me?
- Sei lá. Como for. 
- Mas então não sei o que fazer. Dá-me uma orientação.
- Não quero. - Ele fitou-a, irritado, e ela riu-se - Olha, gosta de mim. Isso chega. 
- Não chega. Vem comigo. Fica comigo... Sabes o que penso. O que te impede?
Nada. Nada a impedia. Esperava-a a casa vazia. Tranquila. Sua. Um livro, aquela série que ainda não acabara de ver. Um copo de vinho e um telefonema para uma amiga. Uns minutos online, se lhe apetecesse.
- Hoje não. 
- Então queres continuar como estamos?
- E se quiser? Porque não?
Tinham-se encontrado muitas vezes, cafés, almoços, jantares, na casa dela, na dele. Havia muito em comum entre eles e uma química palpável que os empurrava sempre para mais um encontro. Tinham trocado beijos, dormido juntos, tinha sido bom. Muito bom. Sempre  sem palavras a rotular o que sentiam. Ele pedia-lhe mais e um dia talvez acabasse por concordar. Levantou-se e deslizou as pontas dos dedos pelo queixo por barbear. Ele tentou segurar a mão que se escapava. Ela vestiu o casaco, pegou na mala e ele continuou sentado em frente da chávena de café vazia, a irritação quase abafada pelos sons da pastelaria. Ela achou que talvez não fosse só o coração. Talvez fosse também o orgulho. Ou principalmente esse.
- E amanhã, vens? Da próxima vez. 
- Logo se vê. 
- Não te entendo.
- Não precisas. Gosto mais de ti assim. 



Sem comentários: