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quinta-feira, 7 de agosto de 2014

o rosto ao sol



Ela está sentada num canto da esplanada, tão alto sobre a cidade que o olhar chega ao lado de lá, depois do rio. Enche-se-lhe o coração de uma espécie de exaltação. Vai sentir-se, já sabe, por uma hora, duas, talvez, dona dela. Esta é, temporariamente, a cidade de luzes e sombras e maravilhas e tragédias que lhe pertence. Toda sua.

O olhar desliza orgulhosamente sobre os telhados e fica como que pousado sobre o rio. Não é exactamente azul, nem exactamente cinzento, é assim uma espécie refulgente de indecisão. O céu, esse sim, faz inveja às safiras. Que bom, é hoje dona de uma jóia imensa.

Lá em baixo, cruzam-se faixas de asfalto atarefado. Deve haver muito barulho onde os seus automóveis circulam e as suas pessoas se apressam pata cumprir a vida que lhes calha. Aqui, o tempo supendeu-se, o único ruído é o de um pássaro que insiste em não viver no centro da cidade e o murmurar dos seus dois amantes, amantes um do outro mas ambos seus, esta tarde.
 
Leva o copo à boca, apreciando a doçura adstringente da laranja. Podia ter pedido champanhe, se gostasse dele, sente-se a celebrar, mas parece-lhe incorrecto celebrar essa tarde com sacrifício. Ao diabo com a tradição. Antes assim, com tanto prazer. Um homem ao fundo sorri-lhe. É um homem quase bonito e hoje pertence-lhe. Ela sabe que lhe dá atenção porque estão ambos sós...não, ele está só, ela tem a cidade toda dentro do peito e não precisa de ninguém. Devolve-lhe o sorriso com indiferença e abre o livro. Fecha o livro e depois os olhos.
 
Respira fundo, volta o rosto para o sol. Sim.


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