Páginas

domingo, 2 de fevereiro de 2014

fatale

(Adriana Molder)
Ela vê para dentro de ti escondida atrás da lente
círculo de luz que mostra e esconde
conforme a contemplas suspensa na parede 
em papel amachucado e tinta preta.

Fixa em ti um olho claro de film-noir  
rosto pálido e sobrancelha fina, boca adivinhada, 
pode ser a actriz que quase de certeza viste 
num desses filmes da TV a preto e branco,
onde se vivia de noite e as luzes dos candeeiros
eram círculos de luz que mostravam e escondiam
respirar era perigoso, as mulheres belas
e havia homens de chapéu e gabardina
que falavam baixo e se deixavam matar por elas.
Na parede esta mulher é só parcela, olho e face 
mas suspende-te do pavor que lhe adivinhas
talvez seja o momento antes da morte do amante
o disparo anula a noite por um momento
tomba o amante lentamente e em silêncio
femme fatale olha o corpo de cigarrilha na boca
a disfarçar o medo volta as costas, desaparece
com um grito desafinado de instrumento
na escuridão que fica desce o genérico.

Ao teu lado há uma mulher que vira o rosto 
não fita como tu em vago espanto
afasta-se depressa tem medo de olhar-se
à luz desse olho que congelado num momento
vê o detalhe que desconhece em si tão ampliado






Sem comentários: