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domingo, 20 de maio de 2012

uma nova história

Ora bem, depois de ter terminado e revisto (uma primeira vez) o romance de nome provisório A Chama ao Vento, eis que iniciei outro, de época. Aqui ficam as primeiras linhas, ainda por ainda por rever, uma espécie de teaser a mim própria. Chamo-lhe, provisoriamente e por questões práticas, O Cavalheiro Inglês, embora neste excerto não exista nenhum!

Agradeço críticas e opiniões de todos os tipos!



Capítulo 1

George Cohcran Lambdin, Girl Reading
Viajava há longos minutos pelas páginas do seu livro. Virava-as devagar, indolente, embalada pela trama familiar e pela luz cálida da tarde. O sol de inverno atravessava as vidraças escrupulosamente limpas e, sem a interferência dos reposteiros pesados que as ladeavam, refletia-se em muitas cores pela salinha demasiado cheia, em vidros coloridos, brocados e cetins. Ela via-os, mas não os via realmente, cenário vago que eram para a sua ausência temporária numa aldeia distante e fresca do Alto Minho, entre folhagem verdejante, pedra granítica, tradições antigas e amores atribulados. Sorria, como só se sorri perante as páginas de um livro. Era o momento de um encontro fortuito entre Jorge e Berta, de que podia antecipar o sabor porque...
- Morreu o Lopo Vaz.
Clara levantou os olhos do livro, sobressaltada. Por um instante apertou-se-lhe o coração, antes de perceber que o nome do falecido não lhe dizia nada. Obrigou-se a regressar à realidade. Olhou para o irmão, de sobrolho franzido.
- Como?
- Morreu o Lopo Vaz. Diz aqui.  – O rapaz sacudiu ligeiramente as páginas do Jornal do Comércio, como se a explicação pudesse cair de lá no seu colo. Clara inclinou a cabeça, tentando lembrar-se de quem seria esse Lopo Vaz. Não lhe era inteiramente estranho. Infelizmente, tinha sempre dificuldade em localizar nomes e apelidos, a não ser que fossem personagens dos livros que lia.
- É um amigo do pai? – acabou por perguntar.
Sebastião pousou o jornal aberto sobre a mesa, cobrindo com as páginas sujas duas caixinhas de casquinha, uma de prata com inscrustações de jade, e três pequenos pratos pintados, dois redondos e um retangular, semelhantes a tantos outros que, espalhados pela casa, serviam por vezes de providencial cinzeiro para os enormes charutos do pai. A luz intensa dessa manhã de inverno, tão diferente da sombra eterna de Sintra, incidiu sobre os altos e baixos, iluminando as letras escuras.
Ah, o sol de Lisboa. Clara espreitou distraidamente a lareira apagada. Em casa... pensou, travando repentinamente a meio dessa ideia. Não, já não podia falar assim da morada que fora a sua a maior parte da sua curta vida. Não voltaria a viver lá. Muito bem, então. Em Sintra, a mãe já teria mandado acender a lareira a esta hora da manhã.
Estaria, aliás, acesa dia e noite, num combate infrutífero contra a humidade gelada, que nunca chegava a desaparecer inteiramente. Suspirou, um pouco saudosa, sim, mas absolutamente regalada. Tinha saudades de muitas coisas em Sintra, da riqueza luxuriante do arvoredo, dos jardins onde podia passear sempre que lhe apetecia, da elegância um pouco romântica do chalet da família, dos travesseiros que lhe traziam para o lanche. Não sentia falta nenhuma do frio húmido, que se levantava do chão e transpirava das árvores, infiltrava‑se nas casas e, mesmo no verão, penetrava nos ossos e, pela manhã e ao fim da tarde, os enregelava. Gostava dos dia secos e solarengos de Lisboa, que lhe davam a ilusão de calor até no pico do inverno. Estendeu a mão, para que um raio de sol brincasse na palidez rosada da sua pele, e sorriu para o irmão.
- Vá lá, Tião, sabes como sou com nomes. – lembrou.
- Hum.
- Nunca consigo lembrar-me. – O que jamais lhe confessaria era o jeito que, às vezes, isso lhe dava. Tião franziu o nariz.
-  Claro que o pai o conhece, não é por isso que... Ora, deixa estar! – respondeu o irmão, sacudindo a cabeça. Fixou-se no livro nas mãos de Clarinha – O que é que estás a ler desta vez?
Clara encheu-se de paciência. O irmão estava a desviar a conversa, mas não valia a pena aborrecer-se. Voltou para ele a capa do exemplar bem usado d’Os Fidalgos da Casa Mourisca, marcado a pouco mais de meio. Tião torceu o nariz.
- Outra vez? Não te cansas de desencontros amorosos e de lutazinhas entre burgueses e nobres? Já sabes que no fim o amor triunfa, e todas essas tretas.
- Que queres? Arranja-me mais, agradeço-te – retorquiu ela, com um suspiro irritado – Bem sabes que trouxemos poucos livros do chalet! Estou há meses à espera que o pai mande buscar os outros... ou que me compre novos! (...)

2 comentários:

Olinda Gil disse...

Com uma personagem leitora? Hum... fico muito curiosa... :D

teresa dias disse...

Gostei do que li.
Quero mais...
Bjs.