Páginas

segunda-feira, 8 de dezembro de 2014

do amor tigre

- Olha, sabes do que é que gostava? 
- Não. Diz lá.
- De saber como é que amam os homens.
Ele levantou os olhos do prato, surpreendido. Esperava outra coisa, que ela quisesse ir ao cinema a seguir, ou de conhecer o novo namorado dele.
- Os homens... como?
- Os homens. Homens, como tu. Como aquele. - Com o garfo a meia haste, apontou para um tipo de meia idade numa mesa adiante, entre o curiosa e o alheia. Ele sentiu-se um bicho raro. Ele o e outro. Não fazia ideia do que dizer, mas mesmo assim aventurou-se.
- Olha... como as mulheres, acho. Uns pouco, outros muito, outros demais... uns desesperadamente. 
- Pois, sei... uns com o corpo, outros com a cabeça, outros nada. São palavras. 
Ele suspirou, exasperado. 
- Claro que são palavras! Não querias saber como? - Ignorou o olhar que ela lhe dirigou - Olha, já te disse, como as mulheres. Não és tu que és pela igualdade? É igual. Homens, mulheres, heterossexuais, homossexuais, todos. Tudo igual.
Durante longos minutos não se escutou senão o ruídos dos talheres, as conversas nas outras mesas. 
- Acho que também não sei como amam as mulheres. 
Ele pousou garfo e faca e recostou-se. Ficou a olhar para ela um bocado.
- Vais dizer-me que nunca te apaixonaste.
Ela encolheu os ombros.
- Quando era miúda, claro, Coisas de miúda. Easy come, easy go.
- E recentemente?
- Depois dos trinta? Não. E não quero, nem pensar. 
- A sério? Pensei que todas as mulheres quisessem amor e uma cabana, e essas tretas. 
Ela sorriu e sacudiu a cabeça. 
- Amor e uma cabana? Olha que ideia! Todas não. Eu não. 
- Porquê? 
Ela pensou um pouco. 
- O amor é um tigre... Ora imagina um tigre. O que gostares mais, de Bengala, se te apetecer, não interessa. Um bicho desses é bonito de se ver, sobretudo na selva. É maravilhosa a sua forma, o modo como se movimenta, o seu poder, não te cansas de olhar para ele. É fascinante, quase temos vontade de lhe tocar. Mas tocavas-lhe? Não.
O amigo não respondeu. Ela riu-se. Sabia que era falha a comparação para o amigo sempre apaixonado e reapaixonado, mas pelo menos por um instante ele não tinha o que dizer. Talvez tivesse pena dela. Não importava. Mandou-lhe um beijo. 
- Devorava-te e cuspia só os teus ossinhos se te chegasses a ele. - acrescentou - Gosto mais de mim com as peças todas. Dão-me um certo jeito no dia a dia. 
- E por isso foges dele?
- Do tigre? Pois fugia, se viesse um atrás de mim! Felizmente só os tenho visto enjaulados e em programas de TV. Esses de fazer de conta são bem bons , até queria um para mim.
Ele sacudiu a cabeça em reprovação.
- Se é assim, para que queres saber como amam os homens? Que te interessa?
- Curiosidade científica, evidentemente. Também vejo o National Geographic. Tu não?
- Não vejo coisa nenhuma.Estás parva de todo esta noite. 
- Pois estou... mas diz lá, como é que amam os homens afinal?


Este diálogo soou-me mesmo bem enquanto se ia escrevendo na cabeça - estava eu no duche, onde me surgem tantas ideias, a maioria intraduzíveis. Aqui, já não sei bem. Arrisco. 

Sem comentários: