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sábado, 12 de dezembro de 2020

Em dia de chuva, um excerto sobre... chuva. E o Mão.

O sol acabava de pôr-se, uma bola de fogo sobre um horizonte despido de nuvens. A Nordeste, os primeiros dias do Outono eram amenos, o vento feroz do Inverno tardaria ainda a chegar. A chuva era outra história. Se tivessem sorte, raras bátegas tombariam do céu sobre o Mão, o céu desmanchando-se em trovões e relâmpagos, em tempestades sucessivas, temíveis mas muito desejadas em Ich-ar. Eram tão raras que Eivi só vira, em todos os anos da sua vida, três vezes os rios de lama nascidos desses dilúvios, só três vezes vira  transbordar o fosso e, de uma delas, vira tombar casa sob a corrente. Dessas vezes, o Prata engrossara e subira, submergindo as árvores das margens, tinham-se enchido os canais subterrâneos que alimentavam os poços e furos, o solo enriquecera e o Mão transformara-se num campo de pequenas flores amarelas, azuis e roxas. Os anos seguintes eram sempre de abundância.

Observou depois as casas, em cujas janelas se acendiam aos poucos tremeluzentes lampiões. Ali talvez essas chuvadas não fossem bem vindas. Talvez nesses dias o mar trepasse o areal, invadindo o casario, e desabasse sobre o pontão, desfazendo-o em pedaços que depois arrastaria para o fundo. Talvez, na sua fúria, engolisse barcos e gentes.

Ou será o Prata a comer as margens e tudo o que nelas se cria?


em Passo Solto, A Grande Mão (em revisão)


Na foto, o sequíssimo Atacama num raro florir.
Podia ser o Mão imaginário do texto. 
(imagem em https://www.pinterest.pt/pin/113786328063149621/)

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