Quando me apercebi que a Cristina Drios, que conheço pessoalmente e por quem tenho muitíssima simpatia, ia lançar um livro com Caravaggio como personagem central, fiquei de imediato entuasiasmada: afinal, este pintor está, com Vermeer e Hopper, enre os meus favoritos... E acabei de aperceber-me que todos trabalham a luz de forma única e espantosa e de ficar cheia de vontade de estudar a questão e escrever um ensaio, como se ainda fosse aluna de doutoramento do IHA e tivesse tempo para isso! (provavelmente já há algo no género, mas é irrelevante)
Retomemos o tema em questão.
Leio sempre os livros de pessoas que conheço e com quem simpatizo com muito receio. Temo não gostar e ser forçada a dizê-lo, apontando todas as razões, porque não sou capaz de ser desonesta nisto. Nenhum autor agradeceria uma falsa opinião, mesmo se de um insignificante - que não é crítico de revista, nem tem um blogue com milhares de visitas. No caso de Adoração, aconteceu o mesmo. Peguei-lhe assim que o comprei, entre o entusiasmo e o receio. E vi confirmadas as duas coisas.
Adianto já: a Cristina escreve muitíssimo bem. Domina a pena, o termo, a linha, cria imagens belíssimas, e insere a realidade na ficção - o facto na ilusão - de forma admirável, desenhando a história de modo a, uma vez terminada, não se estar certo de onde termina uma e começa a outra. Eu, que tanto admito Caravaggio, adorei saber mais sobre ele, ficar com uma noção, ainda que com o seu natural grau de fantasia, do homem escondido no chiaroscuro. Claro que, como apaixonada de História, também me fascina sempre a inserção na época, e a Cristina foi exímia também nisso, o momento histórico como eu gosto dele - os ambientes, sobretudo, os detalhes - estão lá na perfeição e foi um prazer lê-los. Senti o cheiro das laranjas, o calor siciliano, os suores, fluídos e excreções associados às ruas e ao próprio Caravaggio, a formalidade das relações na nobreza, as contenções e frustrações a que eram forçados, escondidos, como numa composição em chiaroscuro, nos espaços vazios entre as linhas, nas sombras das palavras, no silêncio do que não chega a ser dito. E fico encantada também quando um livro me obriga a ir verificar como é certa obra, para melhor entender certo excerto, ou se uma pintura existiu ou é liberdade criativa. Aconteceu-me imenso, por exemplo, n'A Virgem das Amêndoas, e aqui também. Oh, alegria!
Com tanto de bom, há alguma coisa de que tenha gostado menos? Sim.
É que li, há tempo, Os Olhos de Tirésias, também da Cristina, passado na Primeira Grande Guerra e que, como Adoração, alterna presente com passado e os interliga e, do meu ponto de vista, o faz melhor. Em Adoração, começamos no presente, com um acontecimento marcante e uma personagem feminina - e outra masculina - que se prometiam importantes, mas que depois estiveram menos presentes e foram menos relevantes do que esperaria. Por vezes esperava um capítulo em que um deles fizesse a ponte entre os acontecimentos do passado e os do presente, mas não surgia e, porque elas foram poucas, o twist final pareceu-me um pouco súbito - faltou-se ali qualquer coisa para a compreensão da história. Claro que nisto a culpa pode ser minha, porque leio quando estou cansada, e claro que o enredo central não o do presente, mas o de Caravaggio, e estas personagens um pretexto... o que deita por terra, em parte, estas questões, que continuam, porém, a perturbar a minha leitura da obra.
Nada disto vem em detrimento do bem que a Cristina escreve, claro, e do muito que vale a pena ler este livro. E Os Olhos de Tirésias. Façam o favor de ler também Os Olhos de Tirésias.
Sem comentários:
Enviar um comentário