As tarefas mecânicas, como lavar loiça ou fazer salada, devem proporcionar ao cérebro possibilidades maravilhosas de alinhamento e reflexão. Hoje, ao fazer uma dessas coisas, consegui finalmente pôr em palavras o que me faz escrever. Claro que a maior parte dessas palavras já se foi, entre esse momento e este, mas a ideia não. Hei de ser capaz de encontrar palavras novas para ela.
Escrevo porque não posso controlar o meu mundo. Deste lado, na realidade, as coisas acontecem, empurram-me, exigem de mim quer eu seja capaz de dar ou não. Sucedem-se umas às outras, quer isso me agrade ou não, porque se trilhou um caminho que não pode ser reescrito.
Vingo-me na escrita.
Primeiro, porque me perco noutro mundo. Noutros mundos, noutros tempos, noutras realidades ou fantasias ou o que quiserem chamar-lhes. E logo não estou no meu, onde estão as coisas ruidosas - as que amo, as que detesto, as que sou obrigada a cumprir.
Segundo, porque faço dele, desse mundo e do que nele está contido, pessoas e coisas e outras coisas, exatamente o que me apetecer. Construo outro tempo ou uma alternativa à realidade, preencho-o com os lugares e as pessoas que me calhar preenchê-lo, deixo-as crescer ou não, arrasto-as pelas aventuras que me aprouver. Dou-lhes um fim feliz se assim acontecer, ou não, se não me agradar. Castigo os maus e recompenso os bons, pode ser, ou deixo escapar os maus, se quiser, e sofrer os bons. Ou crio uma história sem maldade, ou outra em que só esta existe ou, como acontece neste nosso mundo, bons ou maus ou mais ou menos sofrem e são felizes de vez em quando.
E saio de mim e despejo-me nas páginas e brinco com as ideias. E o mundo cá de fora, este que é cheio de arestas e folhos e algodão doce e sal nas feridas desvanece-se durante algum tempo. E eu respiro, antes que ele venha sufocar-me outra vez.
5 comentários:
Bonito, Carla, muito bonito.
Revejo-me tanto nas tuas palavras...
É, é mesmo isso. E não há muito mais a dizer.
Gostei ...
Gostei especialmente de "Escrevo porque não posso controlar o meu mundo. (...)Primeiro, porque me perco noutro mundo. Noutros mundos, noutros tempos, noutras realidades ou fantasias ou o que quiserem chamar-lhes. E logo não estou no meu, onde estão as coisas ruidosas - as que amo, as que detesto, as que sou obrigada a cumprir."
Quando escrevo os meus pequenos textos - não estou a falar dos do blogue - também me sinto mais ou menos assim! Mais ou menos, porque é impossível sentir da mesma forma ;)
Adorei o texto!
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