Com a revisão a chegar ao fim, este é o penúltimo excerto que publico.
- Alto! – gritou um deles, adiantando-se. Levantou a
espada à sua frente, para tornar clara a sua intenção. – Quem és tu e o que
fazes aqui?
- Como é que passaste pelo Ulhm?
Patron não respondeu. Desacelerou, mas não se
deteve. Os homens hesitaram por um segundo, depois o chefe deles voltou a
gritar:
- Pára! Pára onde estás ou acabamos contigo!
Patron estremeceu, lançou um olhar desamparado na
direção de Nolan, mas prosseguiu até estar suficientemente perto para lhes ver
os brancos dos olhos. Os homens atacaram-no em simultâneo, e Patron saltou para
trás e segurou o primeiro embate da espada na sua. O ruído do metal retiniu-lhe
pelos braços acima e no corpo todo. Da sua posição, Nolan esticou a corda do
arco. A flecha assobiou e cravou-se no seu destino, entre as placas de ferro
que cobriam as omoplatas do soldado mais recuado, que caiu, o olhar sem vida
redondo de surpresa. Eirina pulou como um gato silencioso, e caiu sobre o
seguinte, trespassando-o com a espada antes que este se apercebesse. Enterrou a
cara na neve e lá ficou, ferido de morte, conspurcando a alvura com o escarlate
espesso do seu sangue.
Patron, ainda enfraquecido, foi de pouco auxílio. Quando
chegaram perto dele, um homem de cabelos salpicados de cinzento já o fizera
recuar vários passos, batendo-se com a sanha e a frieza da experiência. Em
quatro estocadas, esquerda direita, em
cima, esquerda de novo, tinha Patron de joelhos, o escudo improvisado com a
casa de uma árvore erguido sobre a cabeça, num gesto de defesa.
- Cometeste um erro, rapazinho – berrou-lhe, e
deixou cair a espada sobre ele. Patron sentiu a dor lancinante no braço, o
ardor, e logo a seguir o calor do sangue. O escudo tombou, partido ao meio.
Olhou para o homem, com o queixo caído como um idiota.
- Patron, seu estúpido, defende-te! – berrou-lhe
Eirina, pontapeando o adversário para livrar-se dele por um instante – Ou
morres aí!
Mas Patron não se mexia e o homem já levantara os
braços para o decapitar. Eirina gritou, e saltou como nunca
antes, para travar com a sua a lâmina que estava prestes a roubar a vida ao
amigo. Tremeram-lhe os braços, os ombros, a vibração metálica subiu-lhe pelo
pescoço até lhe fazer bater os dentes. Mas era isso ou deixar Patron morrer.
- Eirina. – disse o homem, com um esgar de desprezo – A rameirita traidora.
És uma vergonha para o teu pai.
Não lhe respondeu. Em vez disso, lutou. O homem
fazia dois dela, mas Eirina tinha a vantagem de uma agilidade de gato e dos
sentidos apurados. Esquivou-se aos golpes, baixando-se, rodando sobre si mesma,
e recuando passo a passo, para afastá-lo de Patron.
- Nolan! – berrou. Num só movimento, Nolan sacou a
seta da aljava, esticou o arco, e disparou-a. Atravessou o pescoço gosso como
um tronco de um lado ao outro. Vermelho de fúria e dor, o soldado largou a
espada e agarrou a seta com ambas as mãos. Por um momento, Eirina achou que ia
arrancá-la e continuar a lutar mas,
assim que tentou puxá-la, estremeceu da cabeça aos pés, abriu e fechou a boca
em silenciosa agonia e desmoronou. Sentou-se uns instantos, com ar
confuso, antes de cair para o lado e ficar dobrado sobre si próprio, a ponta da
flecha espetada na neve. Não teve tempo para observá-lo. Patron recolhera-se
contra o tronco de uma árvore, com o braço que sangrava contra o estômago, e
defendia-se a muito custo de outro soldado. Os restantes tinham
corrido para Nolan, que largara o arco e sacara as machadinhas.
Eirina despachou despressa o louro que
concentrava a sua atenção em Patron, arreganhando os dentes podres num sorriso
que reclamava a vitória. A rapariga levantou a espada com ambas as mãos,
desferiu-lhe um golpe na nuca, separando a espinha do crâneo, e
continuou a correr, na direção de Nolan. Receava que tanta morte o
enfraquecesse e o tornasse uma presa fácil. Mas o jovem lutava como sempre, uma
fera elegante e elástica. Parecia estar em toda a parte ao mesmo tempo,
brandindo as machadinhas, lançando-a uma ao peito de um, à sua esquerda,
para logo estar metros mais à frente, protegendo Patron, e em seguida saltar
para a anterior posição e pelejar, manejando sem hesitações as armas, tão
depressa que os adversários mal conseguiam acompanhá-lo. Parecia receber a sua
velocidade e força diretamente do solo, a energia com que lutava era
inesgotável, explodia em movimentos rápidos, golpes inesperados que apanhavam
de surpresa os inimigos. Podia tê-los enfrentado a todos sozinho e vencido, mas
Eirina lançou-se na refrega com vontade.
Em pouco tempo, todos os adversários jaziam no solo,
mortos ou a caminho de uma morte rápida. Só então Nolan parou, olhou em volta e
viu. Os corpos, o sangue manchando a neve, as suas mãos, a roupa. Caiu de
gatas, ofegante, atingido finalmente pelo horror da morte. Eirina avançou na
sua direção, mas Nolan levantou uma mão, para detê-la.
- É sempre assim, estou preparado. Só preciso de um
momento.
Sentou-se e descansou um pouco. Depois, soturno, mal
refeito, levantou-se e substituiu Eirina na tarefa ingrata de ocultar os
cadáveres, arrastando-os para dentro do maciço e escondendo-os por baixo de
arbustos, para que ela pudesse ocupar-se do braço de Patron.
Fraco esconderijo, pensou, olhando para
um dos corpos, visível entre o gelo acumulado sob os arbustos finos. Remexeu a neve tinta de escarlate, na tentativa vã de apagar os vestígios da luta. Encolheu
os ombros. Eh. Quem é que vai descobri-los?
A não ser os animais. Pode ser que os
levem daqui.
Eirina terminava o curativo Patron quando chegou
perto deles.
- Isso é um trabalho desnecessário, - protestou
Patron, irritado pela dor – se ninguém
passa por aqui como disseste. Eirina, cuidado!
- Como é que ele está?
- Ai! Raios, Eirina! Mas tu julgas que sou algum
boi?
- Como vês, há de viver muito tempo para me
infernizar a paciência! Bébé! – exclamou Eirina – Mas vai ficar melhor quando for
tratado como deve ser.
- Estou muito bem, deixem-me em paz.
pág 327-28
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