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domingo, 8 de abril de 2012

O Jogo do Anjo - Carlos Ruiz Zafon (opinião)

Sinopse:
Na Barcelona turbulenta dos anos 20, um jovem escritor obcecado com um amor impossível recebe de um misterioso editor a proposta para escrever um livro como nunca existiu a troco de uma fortuna e, talvez, muito mais.
Com deslumbrante estilo e impecável precisão narrativa, o autor de A Sombra do Vento transporta-nos de novo para a Barcelona do Cemitério dos Livros Esquecidos, para nos oferecer uma aventura de intriga, romance e tragédia, através de um labirinto de segredos onde o fascínio pelos livros, a paixão e a amizade se conjugam num relato magistral.

Opinião:
Fiel ao meu princípio de reduzir ao mínimo os SPOILERS, vou tentar falar no livro de outra perspectiva, mais formal. Só não vou conseguir ser breve.

Trata-se, como em A Sombra do Vento (opinião aqui), da história de um livro,  do amor pelas palavras, mesmo malditas, contada na primeira pessoa, na perspectiva do escritor. As duas obras estão, aliás, ligadas, pelo lugar e época, Barcelona  nas primeiras décadas do século XX) e pelas figuras dos Sempere pai e filho, e a sua livraria (recuando uma geração, com o Sempere filho desta história como Sempere pai n'A Sombra...) 

Com a leitura deste segundo livro de Zafon, consolidou-se em mim a impressão de que é, no essencial, um escritor gótico, no que de melhor tem essa tradição, a expressão de medos, hesitações e desejos humanos sob a sua forma mais negra, e fantástico (não é o mesmo que fantasia), no sentido que lhe dá Todorov: a abertura de brechas no real, a partir das quais o irreal irrompe, semeando a hesitação entre um e outro. É o que Zafon faz nestes seus dois livros, mais ainda neste, creio, do que em A Sombra... 

Senão vejamos:

Somos conduzidos, ao longo da narrativa, pela perspectiva dúbia do narrador, personagem central e escritor de contos góticos de segunda e de narrativas de primeira, condicionados pela sua perspectiva e conhecimento. É um homem atormentado pelo passado e pelo presente, pelo amor e pelo ódio, no limiar entre a razão e a loucura, a vida e a morte. Como tal, hesitamos perante o que nos conta, mesmo até ao fim: imaginação ou realidade? E, sendo realidade, qual a interpretação do que parece impossível?

Barcelona surge como uma entidade quase viva, feminina e obscura, com céus frequentemente plúmbeos ou sanguíneos, ruas labirínticas, palácios de traça retorcida (que de facto tem), lugares secretos como o Cemitério dos Livros Esquecidos e figuras misteriosas, umas humanas, outras que se suspeita que possam não o ser. 
Mais do que isso, transpira uma atmosfera de rancor, de morte, de maldição, não só pela sombra muito real das lutas políticas que vertem, com muito sangue, para as ruas, mas também de uma outra, que nasce pela voz das personagens, presas nos seus próprios enredos de perdição. Voluntária e imaginada? Ou magistramente comandada por uma entidade dúbia, homem,  deus, demónio?  

Temos a religião, questão sobre a qual não vou discorrer para não estragar a leitura, mas que vem carregada de cepticismo e manipulação, e o crime, cuja natureza e solução - o criminoso - é... não. Spoiler.

Há ainda a linguagem dos acontecimentos: a morte, omnipresente, os céus nos quais parece derramar-se sangue, o 'hálito' das coisas, dos dias, das casas, as substâncias viscosas e negras que escorrem das paredes e do chão, as mansões em semi-abandono com uma conotação malévola, perdida, os cemitérios e jazigos frios, os cadáveres e as sombras, os reflexos, a natureza e descrição das mortes, pelo fogo, em sangue, no fundo de uma piscina escura e cheia de líquenes...

Parece uma obra obscura, difícil de ler. Não é. É belíssima.

É, claro, uma história intensa feita de muitas perdas e terrores, de promessas por cumprir, dívidas e maldições, de amores impossíveis e de rancor, ódio e loucura, de Mal, mas também bela e doce, porque a atravessa a impressão da esperança ainda por cumprir, da amizade descomprometida, do amor - o amor romântico, o amor generoso, descritos numa linguagem que é, ao mesmo tempo, crua, negra e poética. Por vezes, irónica e divertida 

Perspassa a narrativa, acima de tudo, amor pela literatura, fonte de paixão e terror, de vida e morte, como se as palavras pudessem conter encantamentos. Para quem as ama, o que poderia ser melhor? 

Numa nota mais pessoal, acrescento que me reconheci, no início do livro,  neste autor desconhecido que aspira, sem sucesso, ao reconhecimento. Com a diferença de ele ser um homem de talento - pela sua própria palavra? - e no meu caso isso estar por se provar.

2 comentários:

Nuno Chaves disse...

... Tenho a certeza de que o teu talento se irá provar (e muito em breve)
Tinha a certeza de que irias gostar deste livro.
E sim Zafón é um gótico, não te enganaste. A certeza está em "Marina" que antecedeu estes dois. Quando o leres terás a confirmação. Gostei bastante da tua opinião acerca deste Jogo. Beijinhos Carla.

Carla Ribeiro disse...

É fácil criar empatia com o protagonista, não é? Principalmente para quem se vê nesse estranho mundo da escrita. Aqueles medos e dúvidas, às vezes a estranha sensação de que as coisas deviam ser diferentes... Foi uma das coisas que mais gostei de encontrar neste livro. :)