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sábado, 10 de março de 2012

Os Cisnes de Leonardo - Karen Essex

Sinopse:
O cenário conduz o leitor até à esplendorosa Itália dos finais do século XV, onde duas irmãs, filhas do Duque Ercole d’Este crescem sabendo que as aguardará um casamento combinado. A mão de Isabella, a mais velha, foi pedida pelo Marquês de Mântua enquanto que Beatrice aguarda a sua vez, prometida a Ludovico, Duque de Milão. Isabella prima pela beleza, enquanto Beatrice se destaca pela sua paixão pelos cavalos, rivalizando as duas pela fama, o poder e a atenção do sexo oposto. Ludovico é patrono do grande mestre Leonardo Da Vinci que imortalizou pela pintura não a sua mulher legítima, que sempre quis ser retratada, mas a sua amante. Beatrice vive infeliz com isso apercebendo-se das infidelidades do marido, mas tal como um cisne, cresce e aprende a arte do amor, aliando-se ao esposo nos jogos sociais e políticos que envolvem as potências europeias. Um enredo emocionante e comovente, que traça um enquadramento histórico da época renascentista ao mesmo tempo que realça o poder afectivo das mulheres por entre arte, traições e intrigas.

Opinião:

Esta obra apresentou, para mim, uma dificuldade inicial: está escrita essencialmente no presente, o que me parece excelente para guiões e didascálias mas, num romance, tem o potêncial para gerar enormes confusões verbais - misturas estranhas de tempos e modos que, infelizmente, me distraem e enervam. São, se calhar, esquisitice minhas, mas perturba-me a leitura, pr exemplo, o seguinte: "Ela pensou que ele a tinha traído. Sai da sala e..." Não estou a citar do livro, mas é uma situação recorrente. Felizmente, a leitura é tão envolvente que me fui esquecendo, e só quando a coisa se tornava dramática é que me incomodou.

Leonardo da Vinci, Retrato de Beatrice d'Este

Vou começar por esclarecer: este é um livro apaixonante para quem adora arte e história,  como eu. A pesquisa é impressionante, a narração, feita a partir de personagens e espaços absolutamente reais e muitíssimo bem retratados, tambémContada a partir das irmãs Isabella e Beatrice d'Este, mulheres inteligentes, poderosas e cultas, narra um período conturbado e fascinante da história europeia, quando os Bórgia estavam no poder em Roma e o equilibrio de forças entre as cidades estado italianas, e entre elas e os reinos circundantes era precário, delicado, e dependente tanto de exibições de poder e riqueza, como de estratégias subtis, seduções, segredos. Testemunha-se tanto a podridão latente nas relações humanas e políticas, como a beleza e a riqueza absurda (ABSURDA, asseguro-vos!) dos lugares e dos trajes. Sente-se o amor ao belo e à perfeição, e o desejo da imortalidade através da arte. Por vezes, as palavras são quase de tratado de arte, tão subtil que nunca é aborrecido ou doutrinal. Por exemplo:

"O mural de Montorfano, de facto, incorporava todas as convenções da época actual rejeitadas pelo Magistro - um pano de fundo clamorosamente italiano para a Crucificação; anjos com asas multicolores voando em redor; demónios empoleirados nos ombros dos iníquos enquanto santos sussurravam aos ouvidos dos bons; a presença do Papa e outros homens do clero; e soldados a cavalo, testemunhando o sofrimento do Senhor.(pág.244)"
 da Vinci, retrato de Lucrezia
Criveli  (amante de  Ludovico)

Note-se que o Leonardo destes cisnes é Leonardo da Vinci, il Magistro, que nunca tinha visto retratado desta forma - genial e humano ao mesmo tempo - e todas as obras e artistas referidos são reais e muitos deles são-nos familiares (Mantegna, Boticelli, Corregio, etc). A espaços,  surgem pequenos excertos, muito curiosos, dos cadernos do próprio Leonardo, com as suas listas to-do, ou reflexões sobre temas a propos.


Porque se trata de factos, transformados em histórias de amor (de Beatrice pelo marido, Ludovico Sforza, Duque de Milão, de Isabella pela arte, pelo belo), de ambição, vaidade e traição, pessoal e política, aprendi imenso sobre a época. Sobre os intricados aconteciemntos e os meandros da política, mas também (muito mais interessante) sobre o modo como se vivia nos palácios, o que se vestia, como se gastavam as horas do dia, como se festejava, como se viajava, como eram os casamentos, funerais, qual a relação que mantinham com os artistas e qual o papel das mulheres nas casas poderosas - surpreendente -  enfim, como era a vida quotidiana entre os estupidamente ricos e poderosos em Itália. E tudo isto num romance que se lê de uma assentada, sem tédio nenhum. 


Leonardo da Vinci, esboço
de Isabella d'Este 
Muito curiosa ainda é a divisão dos capítulos (por exemplo, Il Diavolo, L'Imperatore, La Torre Cadente) como introdução metafórica para o desenvolvimento da história; eu, que tenho uma certa tendência para não olhar para os títulos dos capítulos, quase perdia esta ligação extraordinária. 

E concluo, citando:
"[Isabella] está exausta, não só pelo presente mas por toda a História, o modo como ela continua laboriosamente a repetir-se. Como as personagens mudam mas os enredos continuam os mesmos, como se Deus fosse um dramaturgo sem talento, que só fosse capaz de escrever uma peça. (pág.279)"


Resta-me dizer-me, num tom mais pessoal, que o facto de ser (acredito) historicamente fiel não me impediu de me emocionar, repugnar, temer e sorrir por e com as personagens. Se, com todos os prós e contras, gostei? A avaliar pela dimensão desta opinião...pois gostei!




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