Hoje comentou-se à mesa do café que nunca se escreveram e filmaram tantas narrativas sobre futuros distópicos como nas últimas décadas. Não chegou a ser exatamente uma conversa, porque a seguir alguém disse uma piada sobre a atual pobreza do nosso presidente da república, e a coisa ficou por ali.
Em casa lembrei-me e concluí que deve ser verdade. Mas não é de agora, acho. Afinal, a tecnologia, a ciência, a pequenez / grandeza do nosso mundo e da nossa natureza humana há anos que nos fazem adivinhar possibilidades inesgotáveis, mas também temer consequências tremendas - e o que é mais produtivo para a imaginação humana do que a esperança e o medo?
Em casa lembrei-me e concluí que deve ser verdade. Mas não é de agora, acho. Afinal, a tecnologia, a ciência, a pequenez / grandeza do nosso mundo e da nossa natureza humana há anos que nos fazem adivinhar possibilidades inesgotáveis, mas também temer consequências tremendas - e o que é mais produtivo para a imaginação humana do que a esperança e o medo?
O facto é que eu, que nem sou particularmente versada no tema, me lembrei logo de meia dúzia de livros e filmes que cabiam bem nesta categoria, uns mais recentes do que os outros. O mais antigo de que me lembro talvez seja The Time Machine, de HG Wells (o livro de 1895, cujo conceito de viagem no tempo e descoberta de sociedades distópicas e aterrorizantes foi tantas vezes transformada em filme e série de TV, incluindo no conhecido Planeta dos Macacos). No cinema, o primeiro exemplo pode muito bem ser o filme Metropolis, de Fritz Lang (1927), que gira em torno das preocupações com o avanço científico, na forma do robô / androide, e da mecanização da sociedade, capaz de transfomá-la numa autocracia.
Um dos meus favoritos de sempre é Brave New World (anos 30), de Aldous Huxley, pela complexidade científica da sua sociedade dividida em classes estanques, pela "produção" de seres humanos em série (réplicas clonadas, gémeos às centenas que funcionam em perfeita sintonia), pelo condicionamento, antes do nascimento, para aceitar a sua condição e função e acreditar que é a melhor do mundo e que se é feliz nela, pela proíbição da cultura ou do raciocínio livre, rapidamente castigado com o exílio, e, entre muitos outros pormenores, pela utilização das drogas (o soma) como forma de controlo da população, a bem da paz e felicidade gerais - a fazer-me lembrar, de certa forma, a afirmação muito política de que a "religião" é o ópio do povo... O livro não é, ao contrário do que possa parecer, pesado nem descritivo, mas extremamente bem escrito e uma excelente leitura.
Outro exemplo conhecido é 1984 de George Orwell, (1949), do qual herdamos o horror à ameaça de um Big Brother, cuja sombra se estende agora sobre nós nas formas gigantescas de satélites e minúsculas de chips identificadores - parece-me que o autor calculou mal as datas, em 1984 ainda andavamos a fazer "jogos de guerra", mas não as possibilidades... Este conceito deu origem a inúmeros produtos cinematográficos, de forma mais ou menos direta e até, infelizmente, a reality shows sem qualidade, baseados no triste conceito da sociedade fechada sob o jugo dum observador/controlador invisível. Enfim.
A lista é infinda a partir de meio do século, com alguns nomes importantes, como Fahrenheit 451, de Ray Bradbury, livro de 1953 que, ainda assombrado pelos fantasmas da Segunda Grande Guerra e da massificação ideológica do regime nazi, volta, todavia, as baterias contra a estupidificação da sociedade pelo valores do mundo moderno, pop e superficial. Outra obra relevante é Clockwork Orange, livro de Anthony Burgess (anos 60) e mais tarde filme de Stanley Kubrik - não li o livro mas vi o filme, e fiquei impressionada com a violência física e psicológica que Kubrik encena. Temos ainda as novelas de Philipe K. Dick que inspiraram filmes como e IA, de Steven Spielberg, nos anos 90, e, anos antes, Blade Runner, de Ridley Scott - um favorito - explorando a ideia do androide e dos limites do ser humano, ou do que é ser humano, num ambiente futurista com laivos de revivalismo que lembra o film noir. Nos anos 80, Wiiliam Gibson publica Neuromancer, criando um mundo dominado pela inteligência artificial, engenharia genética e pelas grandes corporações económicas.
Mais recente é The Children of Men, de PD James (1992), que serve como base para o filme homónimo de 2006, que prenúncia um futuro muito(íssimo) próximo e muitíssimo possível de pobreza e esterilidade, fazendo adivinhar a extinção final da espécie humana. Em 2006 Corman McCarthy publicou The Road, romance pós apocalíptico e pós nuclear que deu origem ao profundamente perturbador filme com o mesmo nome, mostrando um mundo cinzento, agreste, solitário, perigoso e sem esperança.
Estes são apenas alguns dos que, tendo ou não lido a obra ou visto o filme (vi todos, mas não li todos os livros), me ocorreram, assim de repente. Se quisesse pensar no que por aí anda agora, podia incluir, por exemplo o filme In Time, que joga com a fixação contemporânea com o tempo (a sua contagem, ao ponto de dividir as milésimas de segundo, a sua falta, a sua passagem...), Os Jogos da Fome de Suzanne Collins, ou o livro de Rosa Montero, Lágrimas na Chuva...
Ah! Foi exatamente um comentário sobre esta capa estranha e que livro estaria por trás dela - eu sabia, graças aos meus passeios pelos blogues - que nos pôs a falar sobre isto e originar esta... este... esta... divagação?
E para o que me havia de dar, andar por aqui a pesquisar anos de publicação e exibição dos nomes que me foram surgindo... santa paciência!
3 comentários:
Visões futuristas, realidades alternativas, perspectivas dúbias. Deve ser um reflexo do que as pessoas precisam de hoje em dia para escapar à confusão contemporânea.
Não sei se é uma coisa assim tão actual ou se estas visões alternativas (mesmo que não sejam futuristas, estou a pensar na literatura gótica dos séculos XVIII e XIX) sempre foram a resposta humana a momentos de agitação e mudança... ou simplesmente à monotonia do mundo tal como o vivemos.
Houve uma altura da minha vida que lia imensos livros futuristas. Talvez influenciada pelo irmão mais velho que era um aficionado pela ficção científica. O certo é que esses livros tinham um poder em mim que outros não conseguiam alcançar. Lembro-me que se fosse preciso passava uma noite em claro absorvida em mundos e vidas que nem sequer conseguia imaginar.
Dos que referes muitos ainda não li, porque o certo é que depois da adolescência deixei um pouco estas histórias de lado. Só agora há uns anos é que voltei a eles. Dos mais recentes que li, gostei imenso de "1984" e de "Fahrenheit 451". Livros que me marcaram bastante e nem sei como os pude ler tão tarde! Vendo bem li-os no tempo certo.
Filmes era aficionada pelo "Mad Max" (mais uma vez influência do irmão mais velho). "Os Filhos do Homem" também me impressionou de tal forma que fiquei a pensar no filme durante dias.
Gostava de ter visto "A estrada", mas como não tinha lido ainda o livro deixei-o passar no cinema...
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