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terça-feira, 23 de agosto de 2016

Arquipélago - Joel Neto

Há algum tempo que desejava ler este livro do Joel Neto, uma das estrelas da editora com que eu também trabalho neste momento, ao mesmo tempo que temia fazê-lo - já expliquei por aqui as razões, as mesmas que me levaram a pegar com muita relutância no A Amiga Genial. Tal como aconteceu com esse livro, não tinha razões para isso. Desde já agradeço à Marcador a oportunidade de lê-lo.

A quase totalidade da história decorre no espaço limitado da ilha Terceira, nos Açores, com uma pequena passagem por Lisboa. Já estive nos Açores, há muitos anos, em S.Miguel e na Terceira e, não sendo grande viajante, não tenho qualquer hesitação ao afirmar que as duas ilhas vão estar sempre entre os lugares mais bonitos que conheço. Os Açores são belos porque são um luxo para os olhos e porque guardam um quê de selvagem e cerrado sobre si próprio que senti em quase toda a parte - nos caminhos isolados, nas pequenas povoações, na extremidade de uma ponta suspensa sobre o enorme Atlântico... Parte dessa impressão poderá ter sido imaginação minha, mas, a ser assim, sucedeu porque a ilha se me ofereceu dessa forma.

Foi essa impressão que recolhi deste livro também, a de um lugar que ao mesmo tempo se oferece e se escusa ao homem, que se permite habitar, mas não domar, que é dotado de vontade própria e a impõe aos seus habitantes de forma inequívoca, estremecendo e destruindo-se, destruindo-os a seu bel prazer, conformando-os ao seu espírito de ilha, de espaço isolado e ancião, numa relação de amor e ódio, Bem e Mal e tudo o que há entre eles. Há uma história de alguma magia, o mito da Atlântida, vestígios de ritos e civilizações antigas, algumas efabulações da personagem central, que estão no limiar entre o realismo mágico e a agitação mental, mas a verdadeira magia é a do lugar. 

Depois há a realidade, a meter-se pelo meio, porque as hesitações e dúvidas de Francisco, com o qual a maioria dos homens e mulheres nos quarentas terão toda a facilidade em criar empatia. Não há nada de extraordinário neste homem, a não ser não sentir os terramotos, a não ser ter-se mudado de armas e bagagens para a Terceira, a não ser o que lá encontra e o que lá imagina, a não ser o que há de extraordinário em todos nós, de bom e de mau. A não ser a sua culpa, sentimento que, acabamos por compreender, permeia e motiva quase tudo nesta história de muitos culpados e de muitos que, não o sendo, o são por omissão.  

O livro tem um ritmo sedutor, uma escrita impecável, descrições fantásticas e bem integradas de lugares, sabores, até conceitos, personagens densas, personagens caricatas, personagens que, como Luísa, se deixam apenas antever, e tudo funciona para fazer dele uma belíssima leitura. Teria muito mais a dizer, se não me tomasse uma deliciosa indolência de Verão. Não me apetece escrever sobre o livro. Mesmo que tenha gostado muito, muito dele.


1 comentário:

JN disse...

Muito obrigado, Carla. É fantástico ler isto. Um grande abraço dos Açores. Joel