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domingo, 21 de fevereiro de 2016

As minhas coisas

hão de devolver-me o que me foi tirado
três palavras certas e uma fralda velha
talvez aquele ninho suspenso
de um ramo fino em frente à janela
há muito que vivo sem eles
parece que vivo mas isto não é vida
tinha também uma caneta bic
e meia resma de papel de linhas
peúgas soltas de um bébé que tive
e arrancou nuns ténis tamanho 45
tinha uma almofada com grumos
já feita à curva do meu pescoço
uma colher de pau de fazer comida
numa panela velha com o fundo preto
hão de devolver-me isso tudo
numa pequena caixa antes de me ir
há tanto que lhes sinto a falta
parece que vivo, mas isto não é vida

certas memórias que me assombram
e se ficam na esquina, fora do alcance
essas mais que todas queria-as de volta
mais que três palavras e a fralda velha
queria a cor dos olhos, a forma das mãos
de uma pequenita que corria a casa
corre agora mundo atrás de uma notícia
hão de devolver-me tudo numa caixa
cabe nela a meia resma de papel de linhas
parece-te que vivo? dizem que vivo
mas falta-me o colchão, a mesa grande,
a cadeira bamba, a porta que gemia,
falta-me a gente, falta-me a memória
parece que vivo mas isto não é vida

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