Páginas

quinta-feira, 1 de maio de 2014

A impossível certeza do poema

Esse poema acha que está pronto
que o poeta o poliu
e lhe aparou as arestas
que lhe colocou dentro as coisas certas
e lhe trocou as voltas
que o fez jogo intrincado de palavras
complexa construção
intelectual
coisa brilhante no meio da mesa.
Acha que sim
e sacode-se assim das mãos do poeta
para dentro do mundo
para o lado de lá dos olhos
do leitor.
O poema não está pronto.
O poema não presta.
O poeta não existe.
Poema assim é coisa plástica
de molde e massa
trabalho em série das mesmas coisas
palavra vazia como tigela
sem sopa
O verdadeiro não espera a prontidão
o burilar lento do diamante
faz-se sozinho
crava garras nas palavras
dentes nas letras
o sexo duro na alma
do poeta
encara o mundo como soldado
de baioneta
precipita-se ainda áspero
e inconstante
incerteza feroz que nada esconde
coisa imperfeita de medo
e esperança
esse poema é monstro
e fresta e dentro dela é sangue e névoa
é peixe pedra
veneno puro para o poeta
confissão e mentira
em ácido mel




Sem comentários: