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sexta-feira, 18 de abril de 2014

Este poema é frio

Este poema é frio, este e os outros.
Crescem sobre as páginas
a pensar-se vislumbres de segredo
mas o que é do peito no peito permanece.
Entre o dentro e o fora há sempre a parede
translúcida e leitosa do medo
e a palavra que nela se inscreve
é arranhada com o gelo natural da longa distância
que vai da entranha à pele.
E se, como do centro da terra ao solo fértil,
se abre às vezes de repente uma fresta,
fio fino insustentável e dramático,
e se essa fresta alarga e dela se projectam
lava e rocha e fumo tóxico,
então não há tempo nem força para a palavra.
Ela esconde-se insuficiente e muda.
Por isso todos os poemas são da frigidez do cálculo
da medida exacta e da argúcia da imagem.
Mesmo se o poeta é incandescente
e a leitura faz arder e queima e fere e excita
são ainda assim efêmera labareda.
Iluminam agora brevemente
explosão de estrela cauda de cometa.
Outros virão arder no seu lugar.








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