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sábado, 25 de maio de 2013

Revolução Paraíso - Paulo M. Morais

Para conseguir opinar sobre este livro, preciso de analisar duas vertentes. A primeira, a da pesquisa e informação histórica, a segunda mais directamente relacionada com o desenvolvimento da história. E talvez deva referir ainda um terceiro aspecto, o equilíbrio entre as duas.

A pesquisa é extensa, profunda e muito detalhada.  Ou melhor, o resultado da pesquisa apresenta-se assim no livro. Chega ao ponto de conhecer o que se pinchava nas paredes de Lisboa na época. Divertido. Temos uma parcela recente da história de Portugal de que talvez só agora se tenha  distanciamento suficiente para se poder falar devidamente, retrada aqui de forma pormenorizada, com as suas voltas e reviravoltas, os acontecimetos políticos e nas ruas, discursos, opiniões, vertentes. É, de certa forma, o ponto forte do livro - mas é também o seu ponto fraco, por motivos que explico adiante. O autor, que é jornalista, está de parabéns pela pesquisa cuidadosa e pela exposição de uma época que já sabia confusa...mas me parece agora ainda mais. Não consigo sequer imaginar a quantidade de fontes, documentais e outras, a que terá recorrido para este seu trabalho e, confesso, quase lhe invejo a possibilidade. Com um sorriso, claro.

Quanto à história do livro, a da Gazela Atlântica e das personagens que nela e à sua volta se movem, tenho opiniões divididas. As personagens, velhos espigados, prostitutas, proxenetas, revolucionários irritadas e toda uma sorte de outras criaturas, são  pícaras, de inspiração em Eça, muito interessantes, e que proporcionam momentos de grande inspiração. O Cais do Sodré é um local curiosos para integrar esta história, provavelmente mais interessante do que a maior parte dos locais em Lisboa. Embora tenha sido jovem mais tarde, nos anos 90, reconheço os nomes de alguns bares (o Jamaica, por exemplo) como locais que a juventude procurava muito de vez em quando para uma noite de copos e música. O pessoal da minha idade saberá do que falo.
 
O Sotão das Delícias e Eva funcionam bem como metáfora e, até a política tomar definitivamente conta dele, representava o ponto mais intrigante. Levei algum tempo, como decerto era intenção do autor, a perceber. Não digo o quê, evidentemente, vão descobrir! Também são interessantes as dinâmicas na revista e na rua, segui com enorme prazer todas as partes, muito bem escritas, em que a intriga se desenvolvia.  Gostava realmente de ter visto mais história, mais das personagens, mais da relação entre eles, e de forma mais directa quando o assunto não era política, mais emotividade, para poder relacionar-me com elas com mais intensidade.  
 
Ainda que a revista se chame Revolta, e esteja portanto relacionada com o 25 de Abril, tive por vezes a impressão de que, em certos momentos, personagens e acontecimentos eram afogados nas referências histórias, esquecidos em prol das reviravoltas históricas. O autor encontrou mecanismos eficazes (por vezes mais, outras menos) para inseri-las, mas alguns pormenores poderiam ter sido preteridos em favor de mais envolvimento das personagens.  Talvez tenha sido a vocação jornalistica do autor a "puxá-lo" para esse lado, que vai tornar o livro muito interessante para todos os que estão curiosos com a época, mas um pouco mais difícil de seguir para o publico em geral. Eu, que gosto, aqui e ali vi-me a pensar "Vá lá, , deixa lá o Otelo" (e os outros).  Aconteceu principalmente nas últimas páginas em que, depois de um acontecimento emocionante, e resolvido o 25 de Novembro de 75, esperava seguir apenas os destinos das  personagens, mas ainda houve um pouco mais de narração dos acontecimento Históricos - do que se disse na rádio, nas revistas, etc.
 
Em resumo, excelente pesquisa e muito boa escrita, boas personagens, cariz marcadamente histórico. Precisava apenas de um pouco mais de equilíbrio entre intriga e informação.  Estou certa de que, depois desta estreia auspiciosa, o autor terá muitos e bons sucessos.
 
Agradeço à PE esta leitura.

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