Há algum tempo que não publico uma opinião sobre um livro, mas como as tenho escrito quase sempre no GR, vou recomeçar a publicá-las aqui.
Este foi um livro de leitura conjunta para o Livros às Quatro, que hesitei muuto em ler, porque a eduação é a minha profissão, ocupa-me a maior parte dos dias e algumas noites, estou cansada dela e unca quero ler nem ver nada relacionado, quando estou em descanso.
Asseguraram-me que não era "esse tipo" de educação, e, também porque não quis deixar de poder comentar o livro no nosso encontro, acabei por lê-lo. Ainda bem, porque de facto é "outra"educação e foi uma leitura compulsiva, enervante, que me revoltou na mesma medida em que me encantou.
O extremismo religioso deixa-me em estado de rebelião, sobretudo quando mexe com a existência e a saúde física e mental de crianças, e quando envolve violência, prepotência masculina, cegueira face à realidade (não é sempre assim, pergunto-me) e todas as outras coisas que se vão revelando neste livro e que não são fantasia, mas facto. Não ignoro aqui que há uma forte componente de doença mental da parte do opressor, identificado pela narradora como bipolar, que é ignorada (ofuscada, obliterada?), mas também combustível para o excesso; esse facto, porém, não reduz a minha revolta. Nem ignoro que este não é caso único, o que, ao invés de me apaziguar, me perturba mais.
Impressionou-me o retrato da doença mental e da violência... pareceu-me que tudo era violento, as convicções, o trabalho, o amor, as relações, o lugar, a manipulação mental, a recusa da ciência e da medicina, da educação, a paranoia e a dificuldade que a autora teve em libertar-se, mesmo depois de se consciencializar da realidade. É, aliás, espantoso que tenha conseguido (a que custo, e com que dificuldade!) escapar às garras emocionais e mentais dessa dependência religiosa. Suponho que seja muito mais difícil quando se desconhecem outras realidades e a loucura extremista parte daqueles em quem mais a criança confia - o pai e a mãe. O retrato que faz é, ao mesmo tempo, desassombrado, franco, e cheio dos fantasmas da ilusão, da perda, da falta de confiança com que a autora terá de lidar sempre, apesar de um percurso inacreditável (que resiliência!), a provar que somos capazes de tudo, bom e mau.
Quanto à escrita, à estrutura do livro, nada a apontar: limpa, clara, honesta, emotiva sem lamechice, inteiramente adequada ao testemunho que a autora pretende passar. Uma educão, sem dúvida, e que educação!
O próximo livro de leitura conjunta A Porta, de Magda Szabó, que já comecei.
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