Este não é um ano para guarder souvenirs, embora tenha sido uma viagem e tanto.
Cantei os parabéns por zoom, tive encontros literários e lanches dessa forma. Falei com os meus pais, em isolamento no campo, por telefone, várias vezes por semana. Habituei-me a limpar as compras do supermercado (já me deixei disso), e a encomendar roupa e livros online. Desabituei-me de ir trabalhar para o café e poupei dinheiro com isso. Tive medo, como todos, mas menos do que muitos. Comovi-me com ações de reconhecimento público do pessoal médico, tive noção da sua inutilidade, e com canções e gestos bonitos. Comovi-me sobretudo com a solidariedade e o esforço de união, mas não, não acreditei que no fim seriamos melhores. Pelo contrário. Que ficará tudo bem? Sim, há-de ficar. Tudo é cíclico, tudo tem um fim, o bom e o mau.
O filho fez os dezoito anos confinado. Festejamos como pudemos, e ele voltou a festejar assim que pode, com os outros amigos na mesma situação. Acabou o 12º ano, candidatou-se à Faculdade para fora de Lisboa. Soube quando e onde teria o seu dia de Defesa Nacional. A filha perdeu a sua primeira viagem de turismo com o namorado, a Viena, planeada há muito, já marcada e paga. Perdeu o Erasmus em Barcelona. Perdeu cadeiras práticas que não podia fazer online. Perdeu o ânimo, recuperou-o, perdeu-o, recuperou-o. Eu trabalhei mais do que nunca. Li mais do que o habitual. Esperei em vão que a editora me respondesse. Iniciei meia dúzia de histórias, não avancei nenhuma. Bebi mais vinho, fiz muito mazagran. Fiz bolos, mas (quase) não tirei fotos para pôr no Insta. Não fiz pão, lamento.
No regresso à vida normal (como detesto a expressão "novo normal"!), reencontrei amigas e colegas, fui testada, recomecei as aulas, com máscara. Felizmente já conhecia quase todos os alunos, portanto sei o que está atrás da mascara. Achei-os “moles” este período, se calhar eu mesma estou sem vontade. Numa conversa franca com os mais velhos, do secundário, disse-me uma aluna que a escola ainda é o que têm de mais normal. Fiquei estarrecida. Preocupada. Comovida. Não me dá alento suficiente, não recupera a confiança que já tive na minha utilidade (ou qualidade) enquanto professora, mas dá-me um objectivo: ser a normalidade deles, mesmo que não a minha.
Neste Natal, comprei muitos presentes online. Preparei, pela primeira vez em muito tempo, a celebração em minha casa: a minha filha insistiu em muitas sobremesas, ou seja, passamos um dia e meio na cozinha e foi a melhor parte, mesmo para mim, que não sou boa doceira e fico verdadeiramente irritada com o trabalho doméstico. A véspera foi com os sogros, em sua casa, o dia devia ser com os pais, mas avisaram uns dias antes e não vieram. Não levo a mal, primeiro a segurança. Temo pelos meus sogros … mas como se recusa um Natal? Recebi cinco livros, dois dos quais ofereci a mim mesma. Ou seja, a pilha cresceu, é maravilhosa e há-de continuar a crescer. Faltam as estantes. Fiz binge watching de uma famosa série de época da Netflix (nova e nada fiél à História) no dia de Natal e diverti-me monumentalmente com ela. Voltei a bater (rever) texto no café.
E a seguir? Fujo a balanços, este não chega a sê-lo. Há coisas que decidi não olhar nos olhos, tenho-o feito todos os anos, para não ver os bichos cá de dentro, os macaquinhos do sotão, cujas vozes sussurrantes calo todos os dias. Mas veio a vacina e o novo ano abre numa nota de esperança. Lá para o Verão hão-de sentir-se os efeitos, ou seja, talvez o próximo ano (nem que seja o letivo) seja mais normal, seja isso o que for. Creio que só então poderemos entender os verdadeiros efeitos de 2020 nas nossas vidas. Não os económicos, na saúde, na escola e aprendizagem, na organização social e do trabalho, que são mais imediatos e visíveis. Falo dos outros, mais fundos: da nossa disposição para o mundo, para nós próprios, para o que nas nossas vidas ficou suspenso. Mudamos, ou não?
Entretanto, estamos fartos de 2020. Vamos pôr uma bela mesa, no sossego das nossas casas. Quando for por fim meia noite, levantemos um copo bem alto: QUE VENHA 2021!
Gostei de saber que a editora ligou... finalmente!! Queremos um novo livro!!
ResponderEliminarUm bom 2021! Com saúde e ânimo para fazer muitas coisas!
Beijinhos