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domingo, 8 de novembro de 2015

Rose Daughter - Robin McKinley

De Robin McKinley já tinha lido, antes deste Rose Daughter, os romances Sunshine e Deerskin. O primeiro é uma estranha história de vampiros, a segunda um conto de fadas... um reconto, talvez, mas nunca soube de que história.  

Rose Daughter é um reconto do famoso A Bela e o Monstro. Vamos reconhecendo os elementos principais da história que, mais uma vez, se banalizou com o filme da Disney: a rapariga da aldeia cheia de bons valores, o pai idoso e querido que se perde na floresta e é acolhido num palácio misterioso habitado por um monstro (the Beast, que é o que lhe chamarei daqui em diante, porque "besta" e monstro não são a mesma coisa), a exigência da besta, a ida da Bela para o Palácio e o lento desenvolver da amizade entre os dois e por fim, a aceitação do conteúdo acima da forma e uma salvação in extremis, através do amor. 

Tudo isto está lá e é esta a história... mas também é outra. É a história de três irmãs que se confrontam com o ruir da sua vida e descobrem que ela pode ser melhor quando é mais simples - a apologia, de certa forma, da vida "no campo", mais despojada, mais autêntica - a de uma aldeia de boa gente que perdeu a magia, a de antigas formas de feitiçaria e de magias simples, naturais, que, culpa da ambição que vem com o poder, resultam numa maldição. É a do castigo que vem com o desejo do conhecimento... e em que velho livro é que vimos isto? Parece-me que havia uma senhora chamada Eva, que... 

E é uma maravilhosa história de descoberta: da amizade, do amor fraterno e do amor romântico, de si mesma e das forças que cada um guarda sem saber, mas ao mesmo tempo dos mistérios de um palácio em eterna mudança, mudanças incompreensíveis e inesperadas. São-no por vezes  as da vida, não é verdade? Quantas vezes a mesma pessoa, a mesma estrada atrás de nós ou à nossa frente parece inteiramente outra? No meio da mudança permanente, algumas coisas permanecem inalteradas, as que vêm de dentro - e para Beauty, essas são as que verdadeiramente importam, a terra onde pousa os pés e enterra os dedos, a família, a estufa onde recupera as suas preciosas rosas (as rosas da besta), e a própria besta. 

As rosas permeiam toda a história. No filme, havia uma que não podia murchar, aqui estão por toda a parte, têm todas as formas, e os seus muitos odores parece que saem das páginas (bom, do kindle) para nos envolver, tão pungentes são as descrições. E há animais, muitos, com a sua importância, e outras coisas da terra. Ao contrário do filme, aqui parece que saímos com terra nas unhas. O fim também não é o esperado... e confesso que, ainda que represente melhor a aceitação da diferença e do outro (de si própria, porque todos temos um lado "bestial"?), não me satisfez inteiramente. Não sei como explicar sem um completo SPOILER... Uma nota para uma diferença fundamental neste fim: não há qualquer ameaça da aldeia à besta, nenhuma. A ameaça é interna, uma espécie de autodestruição que nada tem a ver com o espírito de perseguição à diferença que o filme transmite.

Deerskin continua a ser a minha favorita, embora seja muito mais brutal... ou talvez por isso. Esta foi, porém, uma excelente escolha, que conseguiu fazer-me persistir, numa fase em que me está a ser muito difícil segurar-me a uma leitura. É muito cansaço e um pouco de desânimo (como escritora, porque duvido de tudo e me faltam tempo e vontade) e em consequência alguma irritação face a tudo e mais ainda face à literatura. 

As histórias de McKinley, todavia, têm um encanto próprio. Pode ser da magia, porque estão cheias dela, ou das personagens, que nos conquistam com a sua humanidade e carácter extraordinário - quanto mais não seja na sua capacidade para se adaptar e sobreviver. Pode ser porque McKinley não nos poupa à dor e a um certo lado mais negro da vida e da magia. Ou talvez esteja na linguagem, que é rica e poética. Provavelmente é isso tudo.

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