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segunda-feira, 30 de junho de 2014

Wuthering Heights - Emily Bronte

Não há nada de belo neste livro, ou talvez tudo seja belo neste livro.  

As páginas deste romance sobrevivem na obscuridade crepuscular do inverno. Não faço ideia se é sempre inverno na história, li há demasiado tempo para recordar, mas é sempre inverno nas suas páginas, que uivam como os ventos dos seus montes e pântanos, como as almas corrompidas pelo terrível isolamento da paisagem e do lado obscuro da condição humana. Uivam com a dor de um amor feio de enganos e rejeições, belo na sua dimensão, maior do que o tempo e do que a morte. 

Radcliff e Katherine, os amantes, são duas metades da mesma destruição. 

Radcliff é o menor dos heróis. É o anti-herói. Lobo esfaimado, alfa-omega da alcateia, ferido de morte, sobrevivente lambendo as mazelas. É a figura negra na contraluz que amamos odiar. Que amamos, porque lhe compreendemos a dor. Katherine, pelo contrário, é a luz que ofusca mas, como um sol egoísta, o sol é sempre egoísta, na proximidade tudo reduz a cinzas, sem arrependimento, sem consciência. Mesmo depois da morte ela destrói, porque a morte não é sempre o fim. É um peso em cada página.

A morte só é morte quando a memória se vai. Antes disso ela assombra. E esta história, à boa maneira gótica, não vive só de isolamento, escuridão e da monstruosidade humana. Traz fantasmas no ventre. Fantasmas dos que também nós temos, sombras que nos vão ficando pelos cantos no passar dos dias, e fantasmas dos outros, dos que assombram às janelas e chamam pelos que amam e odeiam e que eu nunca vi senão no ecrã. E traz, à boa maneira gótica, crime, castigo e redenção, se não dos castigados, pelo menos do lugar e dos inocentes. Assim é com a mais pura literatura gótica, desde 1765, com The Castle of Otranto

Este livro de 1847 é como o seu selvagem protagonista: ou se ama, ou se odeia. Eu ainda amo.

(nota: curiosos acerca de The Castle of Otranto? O Projecto Gutenberg faculta o livro gratuitamente)

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