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domingo, 29 de novembro de 2015

Uma história de som e fúria - Macbeth, no TEC

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Life’s but a walking shadow, a poor player
That struts and frets his hour upon the stage,
And then is heard no more. It is a tale
Told by an idiot, full of sound and fury,

Signifying nothing. ”  
Macbeth, act v, scene v






O teatro Mirita Casimiro, onde já fui algumas vezes, é um espaço pequeno, no melhor sentido da palavra, aquele em que os  espectadores, sentados nas 92 confortáveis poltronas que constituem a lotação completa, estão mesmo muito perto do palco, suficientemente perto para perceber as cores dos olhos dos actores.

Foi assim, com as expressões faciais dos actores e podendo distinguir detalhes do guarda roupa, que assisti a um maravilhoso Macbeth. Li a peça há mais de 20 anos, para a mesma cadeira de Literatura Inglesa que me levou a ler os inevitáveis Romeo and Juliet e Hamlet, mas também Anthony and Cleopatra e Much Ado About Nothing, Twelft Night e, se não me engano, the Tempest. Vi Much Ado About Nothing no teatro, há anos e anos, mas, com pena minha, não tinha ainda assistido a mais nenhuma. Redimi-me agora.

Diz-se que representar Shakespeare é o grande desafio de um actor e, assistindo a esta peça, entendo porquê. Esta "peça escocesa", como é apelidada, tem cerca de duas horas e meia de débito denso, emotivo, de longas e complexas falas, quase sem momentos de alívio para actores ou espectadores. Não são exigentes apenas em termos vocabulares - e são-no, mesmo em tradução adaptada à nossa compreensão - mas também em termos expressivos, na miríade de emoções que é preciso comunicar, e em dobro, a quem está na plateia. Para mim foi irrepreensível... não sou espectadora experiente, mas creio que, se o fosse, ainda assim manteria a opinião.  

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O cenário é minimalista: algumas colunas rectangulares de metal, com aparência enferrujada, um trono, também ele de metal, e pouco mais. O guarda roupa seduziu-me: bruxas em sensuais transparências, a imagem da tentação, os homens vestidos de cabedais e cores neutras e escuras, roupagens de guerra, a sugerir força e alguma violência, Macbeth e a Lady Macbeth, depois de coroados, surgem em tons mais pálidos, cetins e brilhos que denunciam a opulência. Trovões, tambores e gritos ominosos pontuam a representação, anunciando bruxarias, crimes, batalhas, o triunfo do Mal que é, no fim, o único vencedor. Macbeth é isso mesmo, uma história dominada pelo sobrenatural e pela corruptibilidade humana: o Mal, esse sedutor, apresenta-se sob a forma da sedução inicial das bruxas, a despoletar a ambição e a ausência de escrúpulos, de que Lady Macbeth é o exponente máximo, e a conduzir as acções violentas de ambos os Macbeth. A honra e o Bem, que parecem prevalecer, são negados pela fala final da bruxa, que sugere que o tempo que trouxe um, trará o outro e o Mal vencerá sempre: é saber esperar. 

É também uma história de castigo, inflingido por outros e por si próprio(s): ainda que o Mal se apresente imbatível, nenhum mal humano permanece impune, pelo que assistimos às suas consequências na vida... e no sono. O sono, ou neste caso a insónia, o sonambulismo, a loucura são tão imperativos na peça como o sangue - tantas vezes se repete a palavra! - ou o tempo, que sentimos passar sobre as personagens, mesmo quando ele se limita às duas horas e meia no teatro. O crime traz visões (ou fantasmas?) e é raíz de novos ódios, traições, outros crimes, sangue. Há mortes em palco mas, curiosamente, nenhum das personagens fundamentais morre em palco - nem Duncan, nem Lady Macbeth, nem o próprio Macbeth... e a morte de Banquo, que se dá no palco, é obscurecida pelo apagar das luzes. Apetecia-me agora levantar hipóteses, teorizar sobre a questão, mas abstenho-me. Não é lugar.

Em vez disso, fico-me por uma nota curiosa: é esta a peça maldita que, diz-se, já matou actores e fez arder teatros, e a maldição está contida na própria peça. A certa altura, a lider das bruxas recita algo como "que uma maldição caia sobre os que estão no Teatro" (não será bem isto, mas algo semelhante) e a verdade é que há uma superstição em torno da peça. Fez-me sorrir.

Fico-me ainda pelo pelo conselho: quem ainda puder e ainda arranjar bilhete, vá ver este Shakespeare, que celebra os 50 anos do Teatro Experimental de Cascais.

O link para o TEC, aqui
O link para o ticketline, aqui.




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