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segunda-feira, 3 de agosto de 2015

O Tango da Velha Guarda - Arturo Perez Reverte

Este é o terceiro livro que leio do autor - os anteriores foram A Tábua de Flandres e O Clube Dumas - e não houve nenhum de que não tivesse gostado. O meu favorito continua a ser o primeiro, mas este cola-se-lhe com facilidade aos calcanhares.

Neste Tango, o autor alterna o presente das peersonagens com épocas do seu passado para contar uma história de amor. Não é uma história de amor bonita, porque as personagens também não o são... isto é, são-no por fora, e muito, para além de refinadas e inteligentes, mas aquilo de que se ocupam e os jogos que fazem desfeiam-nos interiormente. Max, o protagonista, é um belo dançarino mundano, gigolo e ladrão, que se recriou a partir de uma certa elegância natural e "apagou" um passado miserável. Do passado de Mecha Inzuza nada se sabe, nem importa porque não se pressente nele nenhuma dificuldade particular, é uma mulher lindíssima da alta sociedade espanhola, no início da narrativa casada com um famoso compositor, Armand de Troyes. 

Conhecem-se a bordo de um transatlântico, desenvolvem um relacionamento porque Armand quer compor um tango especial, autêntico, e Max, dadas as suas origens, conhece os lugares na cidade de Buenos Aires (creio, falha-me aqui um pouco a memória) onde ele pode ouvi-lo e vê-lo. Este tango "da velha guarda" é mais brusco, mais sensual, mais "sujo" do que o seu sucedâneo de salão, e é isso mesmo que este livro é - uma espretadela aos bastidores da artificialidade que estas personagens encarnam.Há algo de crú, de brutal, sob a sua pele, que os atrai para este tipo de tango e para os jogos em que se envolvem - físicos, sexuais, mas também mentais e emocionais. Há um assomo de história de amor, mas não há nela beleza ou inocência ou sequer o reconhecimento do amor. Sentimos com frequência uma espécie de azedume e nunca temos a ilusão de que venha a concretizar-se para além do plano físico - ou seja, nunca ultrapassará o momento, porque Max, fiel a si próprio, escolherá sempre a sobrevivência. 

Os ambientes são luxuosos, mas deixam pressentir a cruza e fisicalidade, e uma certa dualidade nas interações e nas personagens - como se se escondesse sob o luxo um modo quase obsceno de existir, em que tudo é permitido e quase tudo aceite, desde que não exibido. É assim na sexualidade - com Mecha e Armand, por exemplo -  e é assim nos relacionamento sociais.

Foi muito interessante a colocação temporal dos dois momentos do passado nos anos que antecederam as duas guerras, quando habitualmente se procura o impacto da guerra em si para fazer florescer a acção. Neste caso, sente-se o fervilhar de acontecimentos que as antecipam - sobretudo a segunda - com os movimentos de espiões e outras figuras com quem Max acaba por envolver-se, sem o desejar. Há referências ao franquismo, ao fascismo de Mussolini. com a sua associação a Hitler, mais tarde ao comunismo da guerra fria... que seriam confusas, sem o conhecimento prévio das posições de cada país na guerra e depois dela.  O vislumbre que temos dos jogos de bastidor é o mesmo que é oferecido a Max - e pelo meio surge Mecha Inzunza e outro tipo de jogos, sensuais, mentais e do coração.  

Não é um livro doce nem limpo, nem o fim é uma porta fechada, mas está muito bem escrito e é realmente interessante.  

3 comentários:

Carla disse...

Olá Carla,
Nunca li nada deste escritor mas tenho uma enorme curiosidade. Não sei por qual livro começar, o que me aconselhas?
Beijinhos e boas leituras.

Carla M. Soares disse...

Eu gostei muito do A Tabua de Flandres, que tem um mistério em torno de um quadro (fala menso de xadrês, de que não entendo nada, ehehe, mas não se torna complexo).

O Clube de Dumas tem também um mistério, desta vez com o livro Os Três Mosqueteiros, mas achei mais confuso.

Espreita as opiniões destes dois nos links.

Há quem diga que Assédio é fantástico, mas ainda não li.

Carla disse...

Obrigada Carla pelas sugestões.