Pegar neste livro sem saber ao que se vai, sem conhecer opiniões, sinopses ou ter lido ainda o autor, foi para mim a forma perfeita de pegar nele. Terminado, e em muito pouco tempo, posso afiançar que é dos poucos livros que certamente voltarei a ler e que não é um romance, nem um livro de contos.
As supostas viagens de Marco Polo e suas narrações a Kublai Khan são o pretexto, a meu ver irrelevante, a não ser no que ambos têm de sonho - o grande viajante, que nada tem mas tudo viu, e o grande imperador a quem todas as cidades pertencem, mas que as conhece apenas na imaginação. E é de imaginação que o livro é feito. Seria uma espécie de roteiro de viagem, se estas cidades existissem tal como as descreve. Não existem, porque nunca existiram ou porque o livro nos traz precisamente a desconstrução delas - cada cidade é a cidade vista ou imaginada, em toda a sua pujança e exotismo, em todas as coisas físicas e as outras, mas é também a que se percebe nos insterstícios, e também essa se entende - ou nunca pode entender-se - em toda a sua pujança e exotismo, em todas as coisas físicas e as outras.
Esta é uma viagem pelo Homem, porque as cidades são construções e espaços do Homem e são, por isso, o próprio Homem. São múltiplas, cada uma contendo todos os seus passados e todos os seus futuros, todas as coisas vistas e as invísiveis, mas também, como o Homem, todas as suas possibilidades: os caminhos que não se seguiram, as promessas quebradas, todas as coisas que podiam ter sido e não foram.
É também uma viagem pela palavra e pelas possibilidades e imperfeições da comunicação. Tantas vezes se repete que a cidade descrita não corresponde - de todo, ou por inteiro - nem à cidade que existe, nem à que se imaginou, e todavia são as palavras, falhas e insuficentes como são para trazer o que não é descritível, que nos trazem as muitas e muitas possibilidades da imaginação.
A escrita é complexa e encantantória, tanto que não fui capaz de parar, mesmo quando sentia que os textos precisavam de ser relidos. Desconfio que voltarei a lê-los muitas e muitas e muitas vezes, para também eu descobrir novas coisas em cada uma das cidades. Li a eito desta vez, mas da próxima, talvez escolha ler primeiro todas "As Cidades e a Memória", ou todas "As Cidades Subtis" ou todas "As Cidades e o Desejo", etc. São cinco de cada e tenho vontade de descobrir se, lidas em conjunto, me trazem algo de novo... O que digo? O livro há de trazer-me algo de novo de cada vez que o ler. Da próxima, por exemplo, svou usufruir mais dos primeiros textos, lidos em fase de adaptação à escrita e à intenção. Para já, atrever-me-ia, assim de repente, a dizer que as minhas favoritas estão entre "As Cidades Ocultas".
Uma nota para a capa, que traz um dos meus quadros favoritos, a Torre de Babel, de Pieter Brueghel. Uma maravilha este quadro que podia muito bem constar de "As Cidades e os Sinais".
1 comentário:
Obrigada Carla, por me deixares ainda com mais vontade de ler este livro. :)
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