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quinta-feira, 2 de abril de 2015

Interstellar, tempo e espaço

Interstellar (2014) PosterO filme Interstellar começa em media res, com uma premissa muito perturbadora, a de que a Terra se encontra numa senda de autodestruição, presume-se que ecológica e inevitável (mas nunca sabemos  se causada pelo homem ou natural), que levará a que, num futuro próximo, a sobrevivência dos nossos descendentes passe pela procura de outras soluções. 

O destaque do filme não está no que nos levou à situação, nem no esforço de sobrevivência das últimas gerações de humanos - com os meios técnicos, mas sem alimento e quase sem defesa face a sufocantes nuvens de pó ("do pó viemos, ao pó voltaremos"?) - mas nessa espécie de novas Descobertas universo afora, aproveitando dobras espaciotemporais e uma série de outras casualidades científicas. Confesso que a minha curiosidade quanto a certos aspectos me levaram a pesquisar na internet sobre a probabilidade de se darem ou não, e encontrei, por exemplo, isto, no buzzfeed. Há um momento em que saltamos para um buraco negro e do científico para a especulação, tão completa que coloca um pezinho no fantástico. Daí em diante, é apreciar a loucura. Interessante, mas não determinante para a minha apreciação do filme. 

Nota: Bem me parecia que aqueles vagalhões num planeta oceânico em que se pode caminhar na água, de tão rasa (caminhar sobre as águas... onde é que eu já vi isto?) eram um pouco excessivos  e convenientes, mas enfim. Já a questão da relatividade do tempo, possível ou não, é absolutamente fascinante.

Há questões muito interessantes sobre as motivações humanas e a capacidade de sobrevivência, a autodeterminação, o livre-arbítreo, a forma como vivemos o tempo e o espaço, a curiosidade, a coragem, a solidão e o amor (paternal, fraternal) e os limites do altruísmo que, colocando de parte toda a ciência, a mais provável e a menos provável, fazem deste filme um objecto muito interessante. Ocorreu-me com frequência a comparação entre estes astronautas e os primeiros exploradores que atravessaram os mares, munidos de quase nada e cheios dos mesmos medos e perguntas: afinal o que está do lado de lá? Há algo de questionação religiosa também, mas esta questão, como tantas outras, permanece subjacente e sem conclusões.

O filme é filme exigente para o espectador. Não é só a ciência que é complexa e sem contemplações - nada de ter tudo explicadinho, uma distração e ficamos perdidos no espaço - como a representação é seca, dura, humana. Dispensava a heroícidade do protegonista, mas compreendo-a a partir do momento em se trata o acto final de quem nada tem a perder, porque o seu objectivo central se torna inalcansável. Mathew McConaughey levou o seu tempo a provar que é capaz, mas é mesmo muito capaz e Anne Hathaway já cresceu qualquer coisinha. Não h+a romance entre os dois, o que oferece uma variação muito bem vinda ao cliché homem-mulher-fechados-no-mesmo-espaço.

Fica, por fim, o poema que o velho cientista recita e repete no seu leito de morte. De Dylan Thomas, e muito, muito bonito.

Do not go gentle into that good night,
Old age should burn and rave at close of day;
Rage, rage against the dying of the light.

Though wise men at their end know dark is right,
Because their words had forked no lightning they
Do not go gentle into that good night.

Good men, the last wave by, crying how bright
Their frail deeds might have danced in a green bay,
Rage, rage against the dying of the light.

Wild men who caught and sang the sun in flight,
And learn, too late, they grieved it on its way,
Do not go gentle into that good night.

Grave men, near death, who see with blinding sight
Blind eyes could blaze like meteors and be gay,
Rage, rage against the dying of the light.

And you, my father, there on the sad height,
Curse, bless, me now with your fierce tears, I pray.
Do not go gentle into that good night.
Rage, rage against the dying of the light.

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