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sábado, 3 de janeiro de 2015

Into the Woods - pela floresta eu vou...


Por muito que goste de ir ao cinema, não posso ver todos os filmes. Vejo alguns, infelizmente poucos, se calhar mal escolhidos. Não sei. A minha lógica é esperar um pouco e ver em casa os que se veem sobretudo pela história, posso usufruir deles assim, mas sempre que posso ver no grande ecrã os que, como Into the Woods, dependem em boa parte do impacto visual.

Isto para dizer que lá fomos em empreendimento familiar, duas com vontade, dois mal convencidos, e saímos de lá tal qual entramos, duas satisfeitas, dois mal convencidos. 

Vamos a isto, primeiro em mau:
A minha filha é muito clara, foi para ver um musical, gosta de musicais, diverte-se com a cantoria. Eu nem tanto, e creio que isso me incomodou neste filme. Não me importo com canções nos filmes deste tipo, aqui e ali, como em Enchanted, por exemplo... ou noutra onda, Mamma Mia. Mas dizer quase tudo com uma canção... ao fim de um bocado os ritmos fundem-se uns nos outros e, mesmo soando bem, enerva-me. Dou por mim a pensar "Oh, não, outra canção. Falem! Conversem! Mais cantoria nããããoooo!" As canções são pertinentes, ainda que por vezes excessivamente dedicadas à contemplação da má sorte de cada um, e bem cantado, etc, etc, mas é muito para mim. Já tinhamos ouvido cantar Meryl Streep e Anna Kendrik, Johny Depp aparece pouco e lá arranha uma canção, como já o tinhamos visto fazer, mas confesso já aqui que não fazia ideia de que Emily Blunt cantava, e bem! Uma nota para a canção entre os dois príncipes, que é, para mim, o momento mais irónico e divertido.

Muita cantoria, portanto, de que não devia queixar-me agora porque quando saí sabia que ia ver um musical, mas como me apetece fazê-lo, faço-o. Seguindo.

Visualmente o filme é excelente - não tenho mesmo nada a apontar. Escuro, sujo, mágico, com aquela impressão de ter regressado aos irmãos Grimm, é um encanto para os olhos. Uma nota para as irmãs da Cinderela, que me fizeram lembrar muito as irmãs em Ember (mas em más) e o Príncipe Encantado, genial na sua personalidade "de papelão", um piscar de olho sarcástico aos príncipes encantados dentro e fora das histórias. Meryl Streep é o que dela se espera, maravilhosa, mas quem realmente rouba a(s) cena(s) é, como referi, Emily Blunt.

Adoro retellings, esse é um facto que tenho repetido até à exaustão. Acho importantes as histórias tradicionais, os "contos de fadas" que nos permitem, enquanto crescemos, enfrentar os terríveis gigantes e bruxas da nossa vida e organizar o nosso mundo interior através da imaginação. E gosto de saber o que é que os adultos são depois capazes de fazer com elas. Aqui temos várias, o Capuchinho Vermelho, Cinderela, Rapunzel, João e o Pé de Feijão, entretecidas em redor de uma outra história (inventada?) de um padeiro e sua mulher que não podiam ter filhos. Soa-me um pouco ao Polegarzinho, mas não é. Não vou entrar pela história, descansem. Vejam vocês como elas se misturam, repescando o conto tradicional e não a versão Disney cor de rosa que está fora de moda, e adicionando-lhe um pouco de modernidade (é ver a Cinderela ganhar densidade e lutar contra a indecisão entre o sonho distante e realidade conhecida e a sua opção final).

Saí do cinema com a impressão, talvez um tudo ou nada esquizofrénica, o que neste caso não é mau, de tentar o filme um vários-em-um: retomar o tom original destes contos,  mais negro, satirizando o que a própria Disney tem feito com eles, ao mesmo tempo aligeirar através da música, que nem sempre aligeira... e transmitir uma mensagem, relativa ao sonho e à realidade, da qual por pouco só nos apercebemos mesmo no final, como se no fundo tudo se tratasse de uma fábula com a inevitável moral, que nem é bem uma moral... é mais uma conclusão.

Perdoem-me se me limitar a constatar o óbvio, mas a floresta é utilizada afinal como metáfora da vida, com os seus caminhos diversos, as suas dificuldades, tentações, desvios, mostros, alegrias, perdas e recompensas e com uma magia muito própria. Fez-me aqui lembrar a floresta em Big Fish, o filme de Tim Burton... quem não conhece, veja, e perceberá a comparação. Atravessá-la representa, nos dois filmes, confrontarmo-nos connosco e com aquilo que dentro de nós vai mudando ao longo da vida e fazendo com que sonhos e aspirações se desfaçam e sejam substituídos por outros... Creio que é por esta ideia, nada nova mas que se vai desenvolvendo no filme com uma mestria que se desviou do que eu esperava - a mera floresta mágica - que faz com que, no fim, diga que gostei bastante... e muito mais gostaria com um terço das canções e ainda mais escuridão...

Talvez esteja a ver demasiado neste musical, é provável, mas essa é uma virtude de certos filmes, sejam eles bons ou maus: permitem a cada um tirar deles a leitura que mais apela à sua forma de ver o mundo. Para mim, os contos de fadas são histórias de crescimento, do ultrapassar das dificuldades, com ou sem um final feliz. Este é - sem ter exactamente um final feliz, o que muito me agradou - um conto de fadas à moda antiga, com morte e castigo. E nisso ao menos,,, boa, Disney!


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