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sexta-feira, 14 de novembro de 2014

Mais um bocadinho, cada vez mais perto...

Está tão perto, tão perto, que quase lhe sinto a textura e o cheiro. Fica só mais um pouquinho, mas em breve será todinho de quem quiser lê-lo.


    Bolina, o último criado do sexo masculino que lhes restava, que tanto fazia de cocheiro como de mordomo ou de qualquer outra coisa que fosse necessária, surgiu à porta. Pareceu a Sofia, como sempre, mais elegante do que a família merecia, na sua tez morena de espanhol e uniforme impecável. 
   – Menina Sofia, está ali um senhor para falar consigo. – A pronúncia, domada ao longo dos anos, era muito ligeira, apenas um toque cantado na cadência das sílabas. – Não deu o nome, mas insiste em que precisa de falar consigo com urgência. 
    – Manda-o entrar, Bolina. – habitualmente, exigia saber quem era. hoje, parecia-lhe que não valia a pena. Deveria ser alguém da casa do duque, a tentar avisá-la discretamente, antes que a notícia estourasse ou viesse a po- lícia trazer a notícia e fazer perguntas sobre certa discussão. Voltou-se para Fernanda. – Vem dizer-me. 
     – Pode ser que não, menina, não... 
   Calou-a com um olhar. Fernanda sorriu-lhe sem ânimo, as rugas do rosto arredondado mais marcadas nessa manhã, e deu-lhe umas palmadinhas na mão que não a confortaram nada. Perguntou: 
    – Quer que acorde a mãezinha agora? 
    – Não, ainda não. O homem há-de dizer o que tem a dizer e depois logo se vê. – Sentou-se. Sentia-se pesada. – Deixa-nos sozinhos, sim?
    – Menina Sofia, não me parece que... 
  – Deixa-nos sozinhos. – Já não era um pedido. – Este assunto é meu. Deixa a porta aberta, se quiseres. 
   Fernanda franziu os lábios, aborrecida. Estava terrivelmente curiosa e também não lhe parecia de todo bem que Sofia ficasse sozinha com um desconhecido, mesmo que fosse apenas um criado do duque. Mas, enfim, Sofia estava em sua casa, era uma mulher e se a porta ficasse entreaberta não seria inteiramente incorrecto... Suspirou. De qualquer modo, não serviria de nada contrariar a rapariga, quando se metia nela essa determinação de pedra. 
   – A porta fica aberta – exigiu ao criado, quando se cruzou com ele à saída. O homem fez-lhe uma vénia discreta e anunciou: 
   – A sua visita, menina Sofia. 
   Sofia levantou o rosto, pronta a cumprimentar o mensageiro, e paralisou. Os olhos fugiram-lhe para o chão, e lá ficaram. Um, dois, dez segundos decorreram nesse impasse, enquanto Sofia reencontrava a voz. 
   – Fecha a porta, por favor, Bolina – ordenou. Ficou surpreendida ao perceber que o frio que sentia por dentro, o frio do medo e da fúria, transbordava para o seu tom. – Deixa-nos a sós. 


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