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quinta-feira, 14 de agosto de 2014

É mágica A Harpa de Ervas, de Truman Capote

Há algum tempo que queria fazer a minha estreia com este autor, mas não tinha nenhuma ideia determinada acerca de qual dos seus livros me serviria de iniciação. Este surgiu por acaso, ou melhor, por estar incluído numa promoção de Verão da Wook, que me permitiu comprá-lo mais ou menos a metade do preço (e a Cafuné e As Cidades Invísiveis, que também trouxe para leitura de férias). 

Não li opiniões nem a sinopse e não tinha, portanto, nenhuma expectativa a não ser... que fosse bom. Afinal o autor é um clássico. 

Esta é uma história do interior dos Estados Unidos, numa época anterior ao ano de 1945, quando foi pela primeira vez publicada. A perspectiva que assumimos é do narrador, que visita a terra da sua infância e recorda, com uma ternura agridoce, figuras e um momento específico da sua vida, aos dezasseis anos. O tom não é o do homem maduro, a não ser num ou noutro ponto, o que sentimos é a hesitação e espanto do rapaz perante os acontecimentos e os actos alheios, essa espécie de maravilha face à descoberta, o medo que nos faz tremer ali mesmo, à beira da mudança que o amadurecimento nos traz. Por vezes ainda consigo sentir esse espanto, por isso não me é difícil compreender como é que o autor conseguiu capturá-lo tão bem.   

Talvez por isso toda a narrativa se revista daquela qualidade mágica fora do espaço e do tempo,dos contos de fadas, desde as improváveis personagens aos improváveis acontecimentos, até ao desfecho, este sim provável e previsível, mas nem por isso menos interessante. Somos cativados, é esta a palavra, pela doçura do olhar de um (bom) rapaz sobre os outros, pelo que mesmo os actos condenáveis o são um pouco menos. Não há azedume, não chega a haver tristeza onde a tristeza é muita, mas uma espécie de melancolia pasmada e divertida. Virá em parte dessa nostalgia trazida pelo rolar do tempo, que tende a deixar sobre o passado uma película adocicada? Pode ser, mas está primorosamente feito. 

A escrita é maravilhosa, divertida, poética e ao mesmo tempo tão terra a terra que nenhuma das irreais personagens nos parece irreal. Vejo Catherine rabugenta, com a boca enchumaçada de algodão, quase lhe sinto o fedor dos dias de Verão, vejo Dolly, velha, delicada e doce, como um pequeno pássaro já envelhecido a ensaiar a medo o voo, vejo o juíz Cool de costas direitas, velho cavaleiro andante, vejo Riley, consigo imaginá-los todos empoleirados na casa da árvore... e mais não digo, dir-vos-à talvez a harpa de ervas se por lá passarem.

Apeteceu-me ir ver Big Fish, de Tim Burton... talvez por partilharem, este livro e o filme, a mesma doçura e a mesma magia.

Nota: devo estar com sorte. Comecei Cafuné e, deus meu, o que eu já me ri! 

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