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quinta-feira, 3 de julho de 2014

Words and Pictures é "Por Falar de Amor"... a sério??


Compreendo bem as estratégias de marketing que levam a transformar o título Words and Pictures, o filme de Fred Schepisi (falha minha, e certeza, mas não conhecia) em Por Falar de Amor. É que, não enganando, o título inglês engana: Imagens e Palavras, traduzido à letra, sugere muito palavreado sobre coisas que interessam a poucos. E é mentira.

Esta película não é intelectual ou elitista, de modo algum. Diria até que, pelo contrário, é um filme simples, sim, um romance também, que fala das artes numa trama banal, americanizada - há uma disputa. tinha que haver uma, não é? Não é nenhuma pérola nem no argumento, nem de sabedoria. Mas, mesmo com um cartaz a sugerir romance, quem é que por cá, em pleno verão, ia querer ir ao cinema ver um filme com palavras e imagens no título? Ninguém. Quase ninguém. Não ia a generalidade do público, por não querer saber do tema para nada, não iam os intelectuais porque... enfim, são dois professores de meia idade, com bagagem emocional, a apaixonar-se enquanto disputam a primazia das letras ou das imagens. Não é material para discussões académicas. 

O que sucede é que o título em português engana ainda mais. Muito mais. Porque do que se fala neste filme não é de amor. Há uma história de amor, sim, com uma espécie de banter... uma espécie de provocação brincalhona entre estes dois artistas, o professor-escritor com problemas de alcoolismo e a professora-pintora que se debate com uma artrite grave e impeditiva, mas o cerne da questão está nos fantasmas individuais. O escritor que não consegue escrever porque se esgotou a criatividade, a pintora que se vê impedida de pintar com qualidade por um corpo que não lhe obedece. Têm formas diferentes de lidar com os fracassos pessoais, mas acabam por embarcar ambos numa batalha - motivada por ele, mais presunçoso mas mais expansivo - para determinar o que tem mais valor, as palavras ou as imagens. É uma palavra que vale mil imagens, ou uma imagem que vale mil palavras?

A solução final não me agradou. Não sei se havia um fim que não banalizasse a questão, dado o tratamento que lhe foi dado no resto do filme - não foge ao banal. Juliete Binoche está fantástica, Clive Owen desenrasca-se, algo convincente como alcoólico, menos enquanto homem em redenção. O filme tem 6.7 no IMDB e creio que, vistas as coisas, é isso mesmo que merece. Confesso, todavia,  que, com todas as suas falhas, o filme me deliciou e me deixou a pensar. Durante a exibição deixei-me ir, era o que procurava, mas em momentos vi-me enervada e ensimesmada. Não me interessa a batalha entre as duas artes, não há batalha nenhuma, ela nasce apenas da teimosia dos protagonistas. As artes não se degladiam, movem-se em espaços contíguos, movem-se até no mesmo espaço mas em dimensões diferentes, que apesar de tudo se tocam, sendo o maior exemplo disso o próprio cinema, arte total que usa imagem, palavra, som, movimento. Fiquei a pensar, isso sim, sobre o acto da escrita. O que significa, o que representa para mim, como vivo com a escrita, eu que escrevo (se bem ou mal pouco importa). E se um dia a folha em branco deixar de ser um caminho a desbravar, uma oportunidade, uma amiga, e passar a ser um obstáculo instranponível, o inimigo a derrotar? O protagonista ilude-se, bebe, cita autores, tenta passar o seu amor pela palavra aos alunos. E eu, que faria? 

Uma nota para a ideia de que, na escrita, fizemos algo bom se conseguirmos criar uma imagem inteiramente nova, bela, com a palavra.  Válido na poesia, parece-me, e em textos curtos. O romance precisa de mais. De qualquer modo: imagem e palavra. Onde é que há uma oposição?



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