Excerto de um conto inacabado, talvez uma novela... será que vou terminar um dia?
Os olhos eram
perigosos mas a boca também. O ar podia escapar-se dela e não voltar. Por isso
Mariana cerrava os lábios, não fossem as palavras ou algum sopro mais forte levar
para sempre o ar e deixá-la vazia. Descerrava-os mas fechava os olhos, na hora de
dar sustento ao corpo. Aprendera depressa a cerrar as pálpebras com força enquanto
levava a colher à boca, espalhando comida em seu redor até se acostumar, a mãe
ralhava sem zanga, e depois ela aprendera a colher e o garfo, sempre meio
cheio. Às vezes avisava o pai, interrompendo o silêncio,
- Ainda te
picas, Mariana.
Ela não
respondia, manobrando o garfo com os olhos fechados e a destreza do hábito. As
visitas, se as havia, olhavam-na como se tivesse cabelos azuis ou quatro braços
e desperdiçavam palavras que não interessavam a Mariana,
- Que menina
estranha.
- Nem se lhe
ouve a voz.
- Nisso é como o
pai.
- Não digas
isso, coitado, sabes bem o que lhe aconteceu.
- Deviam procurar
ajuda os dois.
O pai amava-a
assim como era, silenciosa, às vezes chamava-a para o seu colo e dizia-lhe,
- Não deves nada
ao mundo, Mariana, ele não te ajuda. Guarda a tua voz, se a queres só para ti.
A mãe afligia-se
mais, lembrada do dia em que a filha perdera o brilho com que nascera,
- Porque não
falas, Mariana, não te faz mal, parece que te colaram a boca.
E Mariana,
crescendo depressa, fechava os olhos e suspirava,
- E se me foge o
vento?
1 comentário:
Olá Carla :)
Muito bonito :) Gostava que acabasse um dia. :)
Boas viagens,
Rosana
http://bloguinhasparadise.blogspot.pt/
Enviar um comentário