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quarta-feira, 25 de junho de 2014

o corpo um submarino

Pôs um vestido que a fazia bonita
e sandálias de salto a alongar as pernas,
um toque no rosto,
a disfarçar o roxo escuro das noites,
perfume, outra pele sobre a sua,
olhou-se, achou-se bem,
De bolsa ao ombro saiu para o sol
e para ilusão de que a olhavam com prazer.
Fez o dia como todos os dias.
Conduziu irritada no trânsito entupido
da cidade branca,
quase lhe viu a luz mas tinha pressa,
cumpriu o ritual do bom dia
no elevador,
ligou o computador,
apertou a mão de peixe frio
com um sorriso.
Teve reuniões importantes
Com papéis e fotos e decisões sobre a mesa,
aprovou artigos, recusou artigos
para a revista do mês seguinte.
No fim do dia jantou com o namorado
que não trazia flores,
mas cheirava a Acqua di Gio
e sabia sorrir.
Gozou o corpo dele porque o corpo dele
era firme.
Fingiu que dormia
enquanto ele fechava devagar a porta da rua.
No vazio da casa abriu os olhos
e encheu o peito.
Inalou o peso do lastro si mesma.
Na luz do dia era pássaro,
na noite submarino pesado na escuridão.



3 comentários:

Ricardo António Alves disse...

Tive de voltar a ler este (e ainda outros dois).

Carla M. Soares disse...

Espero qe por bons motivos...

Ricardo António Alves disse...

Os melhores, os melhores :)