Páginas

segunda-feira, 30 de junho de 2014

Noutro filme tocariam acordeões


A preto e branco,
anos 60. 
Paris.

Ele desce o boulevard
em passo lesto.
A noite promete-se
na palidez de uma lua suspensa
sur la Seine.
Noutro filme tocariam acordeões.
Neste o ruído mudo 
do trânsito.

Toca à campainha
de um prédio elegante de quatro andares,
cumprimenta a porteira
portuguesa,
sobe as escadas largas
caracol atapetado a vermelho,
é cinzento escuro
no seu filme. 
Ela abre a porta.
Lembra Catherine Deneuve,
um pouco belle du jour,
terrena e fria.
Camisa branca aberta
sobre a pálida seda
dela própria,
encosta-se à ombreira,
a curva da anca acentuada e felina.
É um convite.
Ele  sorri
em ângulo picado
sobre o umbigo a preto e branco.
Seria Alain Delon
se Alain Delon não estivesse velho.
Ele decidiu
que nunca será velho.
Abre os dedos no pescoço
de cisne branco,
afunda-se nas cerejas vermelhas
da boca dela,
não recusa nenhum cliché.
Avança, ela recua,
fecha a porta.
Muda a cena
esta acontece fora do set,
sem banda sonora,
sem nada. 
Apenas o desejo,
em fade out.

Sem comentários: