Páginas

quarta-feira, 16 de abril de 2014

Manhattan Transfer, John dos Passos


Manhattan Transfer, de John dos Passos, estava na minha lista de leitura há muito, muito tempo. De certa forma, temia começá-lo, porque receava desapontar-me. Não aconteceu, pelo contrário, quebrou o "enguiço" de uma série de livros de tipologias muito diferentes que não consegui terminar.


É um livro publicado pela primeira vez em 1925 que podia... devia ser "datado". Devíamos sentir que está ultrapassado, quando ouvimos falar na leva de emigrantes início do século XX, da primeira Guerra Mundial, quando entendemos a alusão à Gripe Espanhola, quando assistimos a episódios durante a Lei Seca e a um certo desvario americano, uma certa euforia alimentada a álcool que identificamos com esse século - mas não. De todo. Talvez a cidade tenha mantido a sua natureza (conheci-a enquanto turista há uns bons anos e reconheci neste livro, em parte, o cheiro e o tom, o ritmo e o recorte de Manhattan) ou talvez a natureza humana seja sempre a mesma, sempre reconhecível no seu âmago, mesmo quando os actos dos homens se equacionam com uma época.

Podia dizer que o livro acompanha as vidas complicadas de Jimmy, o eterno sonhador insatisfeito, e de Ellen, actroz sedutora, não seria mentira. Seria uma verdade que só se compreende no fim, porque Manhattan Transfer conta muito mais do que isso, é um mosaico despedaçado de Nova Iorque numa fase difícil (os últimos dez anos antes dos princípios da Grande Depressão), com uma imensidade de personagens muito diversas e muito humanas, nas suas virtudes e falhas, que se cruzam com a cuidade em fundo, a ocupar um lugar dramático nos dramas das suas vidas. A cidade é omnipresente e está viva, pulsa e move-se, vem com ritmo, cheiro, forma, textura e cor. É cediça e maravilhosa, infame e imperdível, uma amante com rasgos de actriz da Broadway, jovem e decadente, que, na sua beleza trágica, não se consegue ignorar ou esquecer.

A escrita é, como a cidade, ao mesmo tempo simples e complexa, segura-nos aos vislumbres e instântaneos que nos vai oferencendo. A teia vai sendo tecida devagar e faz sentido.

Uma nota para a capa, que é lindíssima.

Sem comentários: