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sexta-feira, 11 de abril de 2014

Em ensaios... vai avançando o romance

Mais um excerto(zinho) deste romance que avança à velocidade de uma lesma.


No mesmo dia em que machetes e facas faziam rolar as primeiras cabeças na terra quente onde nascera, sem distinção de credo ou raça, Alberto Jones Mendes Sousa dizia um sim entusiástico numa capela em Lisboa, perante um padre com sotaque beirão, os companheiros do curso de Engenharia de Minas, um tio solteirão que vivia no Porto e se dispusera a representar a família, e membros divididos da família da noiva, parece-me bem, parece-me mal, estão apaixonados, a rapariga está é grávida. Alberto sorria, desconhecendo que, enquanto fitava os doces olhos de Brígida e pronunciava numa certeza mentirosa a promessa de lhe ser fiel e de a amar em todas as circunstâncias que a vida lhes atirasse ao caminho, o dono de outros olhos, amarelados num rosto negro cortorcido de sanha, fitava o cocuroto desalinhado da tia Filomena, dobrada pelos joelhos, a cabeça puxada para trás pelas garras nos cabelos prateados, e lhe rasgava uma fenda lisa e funda na garganta, pela qual o sangue gorgolejante lhe levaria a vida. O seu cadáver e os outros dessa casa, tio e prima mais nova, os criados e a azarada visita portuguesa que viera para o almoço de galinha em óleo de dém-dém e pirão, seriam queimados pouco depois, coincidindo grosso modo com o momento em que, em Lisboa, se serviam as sobremesas no copo-de-água. Noutras casas por toda a província de Salazar, Cuanza Norte, gritava-se de terror ao mesmo tempo que copos chocavam em celebração na boda simplificada, apressada para que os inesperados noivos pudessem partir depressa para Angola.

1 comentário:

Cristina Torrão disse...

O que interessa é que vá avançando.