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domingo, 20 de abril de 2014

De Roma, com amor (3)



No meio da praça ergue-se fálico o obelisco
domina a largueza comanda o olhar
diminutos os homens que aos seus pés se sentam
no corpo na alma na vontade de olhar
à esquerda divinas cúpulas gémeas ruas gémeas
à direita o arco e a igreja onde se promete 
o mestre ansiado do chiaro-escuro,
mas é domingo e eu espero
na mesa à beira da praça, e respiro cansada
movimento e vida e sol na pele
por momentos estou em todo o lado

o que vejo é o homem, distrai-me
do sabor do café do passar incessante
do ruído de conversas em babel infinito
rosto largo anguloso tisnado do sol 
olhos estreitos em óculos de massa
magro, quase demasiado, ele aguarda
e eu olhando adivinho-lhe na postura uma certa arte, 
a ligeira paranóia impaciente do poeta
a acidez na curva da boca o desgrado inerte
de quem suspende sobre a folha a ponta do lápis 
e aguarda pousado sobre o fumo do cigarro
a palavra que não chega nunca chega

mas então ela retorna pesada mal vestida
senta-se comentando talvez o serviço
morre o escritor no rasgar de um sorriso 
transmuta-se o rosto em algo morno e simples
o cigarro ainda pende mas já não significa
eu desvio o olhar desapontada e noto
o sabor do café o lápis na mão, a escrita afinal minha
noto o sol ardente o fremer do Popolo,
lembro o chiaro-escuro ao terminar da missa
o obelisco é belo no meu regresso à pele


 E a turista...

foto de 13 de abril de 2014, Roma 
Foi-me recomendado (obrigada, Cristina) que fosse espreitar os Caravaggios em Sta Maria del Popolo, na Piazza com e mesmo nome. A volta foi longa, com passagem na inacreditável Fontana di Trevi - sim, a praça é insignificante, está apinhada de gente, mas nada disso reduz a dimensão da fonte em si, que é belíssima e, assim entalada, parece crescer. Passagem também na menos interessante Piazza de Spagna, subida penosa e depois encantada à Trinitá del Monti e avanço, pairando sobre a cidade, pela Villa Medici até se estar sobre o Popolo - depois é descer. É longo, longuíssimo o passeio, e doloroso, mas belo. A dor nos pés, nas pernas, por toda a parte, está inerentes a estas férias "de cidade", onde há sempre muito para ver e o melhor é andar a pé. Nem vale a pena referir, esquece-se num instante e fica a maravilha.


foto de 13 de abril de 2014, Roma,
escafandro  de Da Vinci
Ao Domingo há missa, e enquanto há missa não há visitas. Esperei muito tempo, passeando-me pela largueza do Popolo ao calor, tomei um café numa esplanada, visitei uma pequena exposição de reproduções das maquinetas de Da Vinci que muito me divertiu (continuo a considerá-lo a mais curiosa e genial mente da História), comi um gelado delicioso, entrei finalmente em Sta Maria... e mal vi os Caravaggios. Um padre permitiu-nos uns cinco minutos antes de começar a varrer-nos a todos de dentro da igreja, "uscite, prego, é chiusa", ainda eu admirava a primeira das capelinhas. Duas ou três fotos apressadas, a cumprir uma promessa, e saímos. Não tive pena. O Popolo é muito bonito. 

foto de 13 de Abril de 2014
O Martírio de S. Mateus, 

Caravaggio


Depois foi descer a Via del Corso, onde fui surpreendida por pelo menos duas basílicas de tirar a respiração, com obras maravilhosas - e numa delas, a Igreja Francesa de S.Luigi dei Francesi, acabei por ter o meu Caravaggio. Não percebi se a rua estava fechada ao trânsito por ser Domingo ou se, como em toda a Roma, peões e condutores se ignoram mutuamente e fazem o que lhes apetece, ignorando passadeiras e até semáforos. Sont fous, ses romains! São mesmo. Pelo menos na estrada. 

Tal foi a volta que acabou na Piazza Navona...


    




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