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sexta-feira, 18 de abril de 2014

De Roma, com amor (2)

foto de 13 de Abril, Roma
Escorre do céu falso ouro e cor viva
em talha, pintura e luz coada
folhagem dourada e símbolo divino.
Figuras deste mito estendem-se ao céu
olhos devotos exaltação de outrora
dos muros repletos e pesados
ao círculo perfeito que da cúpula
se fecha em nova cúpula diminuta.
Desmancha-se o olhar em fios de sol.
Ali os putti sacodem asas pétreas
em excessos de refego e brando olhar,
ali Cristo na cruz exibe as chagas
entre moldura dourada e os prantos
da mãe virgem e da pecadora ao pés.
Sussurra-me opulenta inquietação
de pedra e vaidade humana,
e no entanto cala-se-me a alma
aquieto-me no espanto desta paz
de cânticos e incenso e de beleza
devoção intensa e antiga fé alheia
num deus que para mim é nada.
Não importa elevo a alma ao paraíso
olhos rasos de água e maravilha.
O meu altar eterno é o da arte.



E a turista:

É preciso andar a pé e com atenção, porque cada rua pode esconder uma, duas, mais igrejas ou basílicas com insuspeitas maravilhas. Não levava grande roteiro, o mapa do hotel apontava monumentos (nem todos, e com erros) mas não obras, e por isso fui surpreendida várias vezes.

"E que tal aqui? É para entrar?" Entrava-se, claro, e "aqui", grande ou pequeno, foi sempre esmagador, se não na dimensão da igreja, pelo menos na do trabalho artístico. O do mármore, da talha, o vitral, a pintura mural e as obras de estatuária... não chegaram nunca os olhos para abarcar tudo, nem a capacidade para processar ou fixar tanto excesso. Não sendo católica, mesmo assim é impossível escapar a uma certa exaltação, a da beleza e da opulência. Não há engano, sei ser destinada, desde sempre, a sufocar e espantar, a mostrar o poder da Igreja - não, ainda não é coisa de outros tempos - mas é produto do amor à arte também, e é um festim para quem a aprecia. Também não faz mal conhecer um bocadinho (no meu caso, só mesmo um bocadinho...), ajuda a entender algumas coisas. Teria entendido mais se tivesse recorrido a guia ou a um livrinho, mas não importa, respirei bem fundo em cada lugar e deixei-me levar. Tirei poucas fotos, mas guardei na alma a sensação de espanto.

E há, claro, as surpresas, que só o são porque não me preparei, não estudei onde encontrar as grandes obras. De súbito, numa igreja cujo nome não consta no mapa do hotel, um Caravaggio, um Rafael, um Michelangelo, um Bernini, um Mantegna, um Reni, um Verrocchio, estátuas e pinturas em quadro ou mural, de tantos outros, muitos famosos, muitos sem identificação. E um concerto de Verdi, ao fim do dia, na acústica perfeita de uma basílica perto da Piazza Navona, cujo nome nem fixei? Sentei-me no chão e emocionei-me. Que mais podia fazer?

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