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quinta-feira, 10 de abril de 2014

A prima disfarçada

 (excerto de um conto ainda por rever e nomear)



James Tissot, Hide and Seek, 1877
Um dia a visita chegou disfarçada de prima, trazendo com ela um bocadinho de medo disfarçado de primo. E a mãe disse:
- Estes são os teus primos do Porto. Vão brincar os três, deixem os crescidos conversar.
Os crescidos sentaram-se nos sofás de pele gasta com cafés de cafeteira, e Mariana levou os primos para o seu quarto e olhou para eles. Achou que a prima era uma prima de brincar, tinha os anos contados e certos, mas o primo era uma volta perdida do seu relógio. E disse no seu pequeno sopro,
- Só tenho bonecas.
O primo disse,
- Bonecas não. Fazemos um jogo.
E a prima disse,
- Não gosto dos teus jogos. És bruto.
E Mariana achou que ela tinha razão, mas ele disse,
- Sei um giro.
E ela murmurou, com os ponteiros a acelerar,
- Que jogo?
Disfarçaram o quarto de noite cerrada e os lugares de esconderijos e Mariana e a prima fingiram-se invisíveis neles para os olhos cegos de escuro e as mãos do primo, com olhos nas pontas dos dedos. Procurou-as muito tempo e encontrou-as, escolheu-as pelo tacto,
- Mariana.
Mariana saiu do seu esconderijo numa gargalhada sem fôlego e o peito num atropelo. Os relógios e os fôlegos por vezes desarranjam-se sozinhos.

1 comentário:

Cristina Torrão disse...

Gostei muito desta cena :)

Parabéns pelo novo visual, simples e claro, privilegiando a leitura :)