Páginas

domingo, 27 de abril de 2014

A Chama... (excerto 2 de 4)

     Segundo pequeno excerto da parte 1 do meu novo livro.


    – Como lhe disse, conheci a sua avó quando ainda eramos ambos meninos, em Braga – começou, sem pressas. – Frequentámos escolas muito próximas. Eu estava a começar o liceu, tinha uns doze anos, quando a Carmo entrou para a escola e, como as nossas mães se conheciam e morávamos na mesma rua, fiquei responsável por levá-la e trazê-la – sorriu. – Não era fácil tomar conta da Carminho, estava sempre em tropelias. 
       Olhei-o de esguelha, desconfiado. A avó, em tropelias? Achara sempre que devia ter sido uma daquelas meninas quietas, que se sentam numa cadeira a ver a mãe tricotar. Ele pareceu adivinhar os meus pensamentos, o raio do homem, porque se riu baixinho e acrescentou: 
       – A mulher que o Francisco conheceu era uma sombra da  Carmo com quem tive o prazer de conviver, em criança e depois de crescida. Tinha uma energia inabalável. 
       – Hum. Vai desculpar-me, mas não é nada fácil imaginar a avó… como diz? Transbordante de energia. 
       – Pois não. A Carmo mudou muito. – Velaram-se-lhe o olhar e a voz. – Quebrou. Quebraram-na. Se calhar era inevitável, era só uma menina. Não sei. Mas nunca mais voltou a ser a mesma. – Respirou fundo, o olhar fixo no prato meio cheio. – Em rapariga, às vezes era difícil de acompanhar. Como uma chama viva. 
       Franzi o sobrolho à metáfora. Já me tinha acontecido pensar na avó nos mesmos termos, mas eu via-a como uma chama apagada. 
           Tudo o que está apagado, um dia esteve aceso.


2 comentários:

Cristina Torrão disse...

Gosto :)

Anónimo disse...

Eu também gosto! Quero mais...
MC