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quinta-feira, 20 de março de 2014

o presente

-Onde é que queres que deixe isto?
- Onde quiseres.
- Mas é frágil.
- Eu sei. Põe-no onde achares melhor.
Ele pousou-o em cima de uma mesa. Ajeitou-o para não cair e estourar no chão.
- Quando é que vais usá-lo?
Ela hesitou. Como é que lhe dizia que o mais provável era arrumar o presente numa gaveta, fora do caminho, e esquecer-se dele?
- Quando tiver um bocadinho, vejo como funciona. 
Ele ficou um instante a olhar. Sentia já o peito oco, estava saudoso e frio, e ainda nem saíra. Era natural. Afinal aquilo estivera-lhe entregue, com pequenos intervalos, durante muito tempo. Tinha um certo receio de oferecer-lho,  mas  ia acontecer mais cedo ou mais tarde. Bem podia ser agora. 
- E não te esqueces? De certeza? Se não o usares, avaria. 
- Sim... não. Não me esqueço. Mas olha, falamos depois. Deixa-me trabalhar.
Ele despediu-se e saiu. Dois minutos depois, de nariz enfiado num relatório, já a coisa pulsante em cima da mesa lhe escapara da memória. 
Ele, pelo contrário, ia vazio, a pensar nela e no tudo que lhe oferecera. 

1 comentário:

Anónimo disse...

Que belo! Texto objetivo, no tamanho ideal.